Recioto della Valpolicella - o Doce Tesouro do Vêneto


Quarta-feira, 06 de março de 2024.

A Itália possui uma ampla riqueza enológica e é, junto com Espanha e França, um dos três maiores produtores de vinhos do mundo. 

Com cerca de 334 D.O.C. (Denominazione di Origine Controllata), 74 D.O.C.G. (Denominazione di Origine Controllata e Garantita) e 118 I.G.T. (Indicazione Geografica Tipica), e com 377 uvas autóctones, a Itália produz vinhos em praticamente todas as suas regiões, do norte ao sul, passando por suas ilhas (Sardegna e Sicília).

Os estilos são inúmeros: espumantes, brancos, laranjas, rosados, tintos e vinhos de sobremesa. Apesar dos tintos sobressaírem, as demais categorias guardam tesouros, por vezes de pequena produção. 


Um desses tesouros é o Recioto della Valpolicella, um fabuloso vinho tinto de sobremesa do Vêneto, e que, como veremos mais adiante, pode ser considerado o pai do Amarone della Valpolicella, um dos tintos mais famosos da Itália.


O nome Recioto, um vinho que data da época dos Romanos, se origina da palavra em dialeto local recie, que significa "orelhas". Essas "orelhas" são as melhores partes do cacho, em geral na parte superior, selecionadas para a elaboração do vinho Recioto


O Recioto della Valpolicella é elaborado pela técnica do appassimento, que consiste na colocação das uvas colhidas e selecionadas em prateleiras (ou em esteiras de palha, o método original) ou penduradas em um cômodo fechado, seco e arejado para secar e "passificar". Nesse processo, que dura em torno de 100 dias, as uvas perdem cerca da metade do seu peso e os açúcares se concentram. Busca-se evitar o surgimento de mofo decorrente do excesso de umidade, mantendo-se o ambiente arejado e, se necessário, usando ventiladores. Pode até surgir a "podridão nobre" (Botrytis cinerea), porém no Recioto della Valpolicella, ao contrário do que ocorre com outros vinhos de sobremesa (Sauternes, Sélections de Grains Nobles, dentre outros), não há qualquer modificação sensível nos sabores e aromas. 

Findo o processo de appassimento, as uvas são prensadas e passam pelo processo de fermentação em barricas de carvalho. No entanto, essa fermentação é interrompida antes que o açúcar seja totalmente convertido em álcool, originando um vinho doce com grande concentração e estrutura, marcado por sabores de especiarias, chocolate amargo, raspas de laranja e uvas passificadas. 


A técnica do Recioto della Valpolicella é a mesma técnica do Vin de Paille, o tradicional vinho doce elaborado na região do Jura, na França, pelo método passerillage (o termo para appassimento em francês).

A grande distinção para o Amarone della Valpolicella reside justamente no processo de fermentação e no resultado. Ambos os vinhos são elaborados pela técnica do appassimento. No entanto, diferentemente do Recioto della Valpolicella, no Amarone a fermentação não é interrompida, convertendo-se o açúcar em álcool e originando um vinho seco. 


Aliás, o Amarone della Valpolicella não é um "irmão" do Recioto della Valpolicella, mas sim seu "filho". Conta a lenda que um produtor, certa vez, esqueceu de interromper a fermentação do Recioto e o açúcar das uvas acabou convertido em álcool, resultando em um vinho seco. O nome Amarone vem da palavra italiana amaro, que significa "amargo", em contraposição ao dulçor típico do vinho Recioto, não obstante o vinho Amarone nada tenha de amargo.


Um outro "filho" do Recioto della Valpolicella é o Ripasso della Valpolicella, o "irmão mais novo" do Amarone della Valpolicella. Ripasso significa em italiano "repetir". É uma técnica, em síntese, pela qual após a fermentação do vinho tinto, provoca-se uma segunda fermentação (cerca de 10 a 12 dias) adicionando-se ao vinho já pronto o bagaço das uvas utilizadas para a elaboração do Amarone ou do Recioto (similar à técnica denominada de Governo all uso Toscano). Tal processo resulta em um vinho com mais estrutura, com mais álcool, com maior extração de cor e mais complexo que os frutados Valpolicella e Valpolicella Superiore.

Aliás, importante destacar que todos esses vinhos mencionados elaborados na mesma área e com as mesmas uvas são denominações distintas entre si e com regras próprias: Recioto della Valpolicella DOCG, Amarone della Valpolicella DOCG,  Ripasso della Valpolicella DOC, Valpolicella Superiore DOC e Valpolicella DOC.


As principais uvas utilizadas para a elaboração do Recioto della Valpolicella são a Corvina e a Corvinone (de 45% a 95%), a Rondinella (5% a 30%), e em percentuais bem menores algumas outras como Forselina, Negrara, Molinara e Oseleta


A região de Valpolicella possui duas sub-regiões, a Classica (nos vinhos aparece o termo Classico) englobando as comunas de Fumane, Marano di Valpolicella, Negrar, San Pietro in Cariano e Sant'Ambrogio di Valpolicella; e a sub-região de Valpantena (que também pode constar do rótulo), um vale de mesmo nome que se situa no noroeste da região.


Embora mais raros, há ainda espumantes Recioto della Valpolicella, vinho doce e espumante.


Por fim, para a produção de vinhos doces, a técnica do appassimento não é exclusiva, na Itália, dos vinhos Recioto della Valpolicella. É também usada nas diversas denominações italianas que produzem Vin/Vino Santo ou ainda em outras denominações italianas que também utilizam o termo recioto: Recioto di Soave e Recioto di Gambellara, ambos os vinhos com a uva branca Garganega como principal cepa.


Em suma, os vinhos Recioto della Valpolicella são mais um tesouro da riqueza enológica italiana! Salute!

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