Um Syrah do Marrocos

Domingo, 2 de julho de 2017

Faz alguns dias degustei um vinho de origem inusitada, o Tandem 2011, um vinho 100% Syrah, com uvas provenientes de vinhedos orgânicos localizados na região de Zenata, cerca de 90 kms de Casablanca, no Marrocos.


Um Syrah elegante com frutas maduras, um certo frescor (embora distinto dos chamados Syrahs de climas frios, como alguns chilenos do Valle de Casablanca, ou alguns californianos como os de Santa Maria Valley), e um leve toque de especiarias como pimentas. E pelo preço na importadora me pareceu de excelente custo-benefício, além de valer pela oportunidade de degustar um vinho do Marrocos.


Trata-se de um projeto em conjunto da vinícola marroquina Domaine des Ouled Thaleb e do produtor francês Alain Graillot, considerado um dos grandes enólogos de Crozes-Hermitage e especialista em vinhos elaborados com a casta Syrah.

A parceria nasceu do encontro de Alain Graillot com os proprietários do Domaine des Ouled Thaleb em uma viagem para a prática de ciclismo no início dos anos 2000.


O Domaine des Ouled Thaleb é a vinícola mais antiga do Marrocos fundada em 1923 e responsável pela modernização da indústria vitivinícola do país a partir dos anos 1990.


O que pode causar uma certa surpresa ao leitor é um país com quase 100% da população muçulmana, uma religião que proíbe o consumo de álcool, e com grandes desertos produzir vinhos.

Na verdade, o Marrocos já produzia vinhos antes mesmo da era do Império Romano. O cultivo das vinhas, no entanto, se perdeu por volta do século VII por conta da proibição religiosa de consumo de álcool, retornando apenas com a colonização francesa no final do século XIX. Porém, é apenas na década de 1990 que a indústria marroquina volta a se expandir, com incentivos do próprio Rei Hassan II.


Atualmente, o Marrocos produz cerca de 40 milhões de garrafas de vinhos por ano. Desse total, apenas 5%, no entanto, é exportado.


Com nítida inspiração francesa, existem sete regiões produtoras subdivididas em 14 Appellations d'Origine Garantie (AOGs) e 1 Appelation d'Origine Contrôlée (AOC).

Seis das sete regiões vitivinícolas marroquinas se localizam nas proximidades das cidades de Meknes, Rabat e Casablanca, na costa atlântica ou nas montanhas próximas da costa, ao sudoeste da Espanha e de Gibraltar. Já a sétima região fica ao leste na fronteira com a Argélia e próxima ao mar Mediterrâneo.


Eis as regiões e as respectivas denominações de origem marrquinas:

Beni Sadden AOG

Berkane AOG

Angad AOG

 

Guerrouane AOG

Beni M'tir AOG

Saiss AOG

Zerhoune AOG

Coteaux de l’Atlas AOC


Gharb AOG


Chellah AOG

Zemmour AOG

Zaër AOG

Zenatta AOG

Sahel AOG


Doukkala AOG

Embora grande parte do país possua um clima desértico, as regiões produtoras de vinhos ficam aos pés de montanhas nas proximidades da costa atlântica ou mediterrânea. Dessa forma, a altitude e a influência marítima contribuem para preservar a acidez das uvas contribuindo para a elaboração de vinhos equilibrados. Some-se a isso uma boa inversão climática diurna e noturna e solos pobres com rochas e pedras, e lá estão condições propícias ao cultivo de vinhas e à elaboração de vinhos.


As principais cepas no Marrocos são: Syrah, Grenache, Carignan, Cabernet Sauvignon e Merlot para os tintos; e para os brancos Chenin Blanc, Sauvignon Blanc, Sémillon e Chardonnay


 A presença francesa (leia aqui e aqui sobre a influência francesa no Novo Mundo) é notada não apenas pelo projeto de Alain Graillot com o Domaine des Ouled Thaleb, mas também pela presença de enólogos franceses e até mesmo pela propriedade de vinícolas marroquinas por grupos franceses, como o Domaine Excelcio  e Kahina de propriedade de Bernard Magrez (Château Pape Clément, Graves, Bordeaux; Château La Tour Carnet, Haut-Médoc, Bordeaux etc). A exceção à influência francesa é o Les Celliers de Meknès, projeto de Albert Costa da vinícola espanhola (Priorato) Vall Llach.


E você, leitor, já degustou um vinho marroquino?


Santé!

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