Terça-feira, 31 de outubro de 2017
A experiência com o vinho, e sua descoberta, pode ocorrer das mais variadas maneiras. Na vinícola degustando diretamente com o produtor; no bar à vin, num encontro despretensioso com amigos; ou num lauto jantar em um restaurante.
Experiências das mais interessantes ocorreram-me em restaurantes, sempre sob a batuta de um experiente sommelier, descobrindo não apenas novos vinhos mas também novas harmonizações (relembre o post Como Falar com um Sommelier).
Nostalgicamente recordo-me de uma ida anos atrás ao Le Bernardin em que todas as etapas da refeição composta por peixes e frutos do mar foram audaciosamente escoltadas por tintos da Borgonha (ali aprendi as sutilezas de maridar salmão e Pinot Noir, em casos específicos, é claro).
Mesmo quando levamos um vinho ao restaurante, o conselho do sommelier sempre é oportuno, indicando a harmonização adequada.
O sommelier é um profissional de suma importância não apenas para o serviço do vinho em si, mas para espraiar a paixão pelo vinho com seu conselho decisivo.
As funções de um sommelier não se limitam ao serviço no salão. Vão muito mais além! É esse talentoso profissional que elabora as cartas de vinhos; que debate com o Chef e sua equipe formas de melhor harmonizar os pratos com o vinho; é o responsável por treinar os garçons no serviço do vinho; controlar o estoque etc...
Mas de onde vem a palavra “sommelier”, que sequer foi traduzida para o português?
Tudo começa com animais de carga, em francês as bêtes de somme. O termo sommelier remonta à palavra grega Σαγμα, em latim traduzida como sauma, ou seja, “carga”!
A responsabilidade de cuidar dos “animais de carga” pode parecer de importância menor, mas, na realidade, dependia de quem os sommeliers da Idade Média serviam. Podemos imaginar a imensa responsabilidade quando se tratava do cortejo de um monarca ou nobre em viagem.
O primeiro Sommelier mencionado na língua escrita francesa apareceu num romance do século XIII. Este evocava justamente as aventuras do famoso cavaleiro da Távola Redonda Perceval.
Um pouco mais tarde, encontramos o termo como “oficial da guarda e do transporte das bagagens da Corte” e depois como “responsável dos lençóis da Rainha”.
No entanto, é somente a partir do século XVII, exatamente em 1671, sob o reinado do grande rei Louis XIV em Versailles que apareceu a específica responsabilidade do Sommelier relacionada à bebida preferida dos franceses.
A partir desse momento, os Sommeliers passaram a ser associados com o vinho e, no final do século XIX, encontramos por exemplo, um texto como esse : « Les grands vins font leur entrée triomphale, et le sommelier annonce avec orgueil des noms et des dates illustres, selon ce qu'a choisi, pour la solennité du jour, l'amphitryon: Château-Margaux 69, Château-Latour 75... ». E não eram Château Margaux 1969 e Château Latour 1975, e sim, respectivamente, 1869 e 1875.
Desde então, esses profissionais cuidam dos vinhos nos restaurantes com grande arte, sem sombra de dúvida, já que o termo foi incorporado em várias línguas. Por vezes, com a mesma caligrafia, como em inglês (em inglês também se usa a abreviação somm), italiano, holandês, dinamarquês ou português; por vezes, com uma adaptação como as traduções Sumiller em espanhol, Sommelieeri em finlandês, e também Сомелье́ em russo!
Por um tempo, existiu a palavra “Echanson” em francês, provinda d apalavra Skankjo trazida pelo povo franco no século V. O significado era também ligado com um cargo numa casa senhorial ou mesmo real, também encarregado da comida e da bebida dos nobres (inclusive provas para ver se a comida ou bebida não estavam envenenados). Esse termo não é mais usado hoje na França, embora tenha originado o termo “Escanção” ainda em uso em Portugal.
Um brinde, Monsieur Sommelier! Santé!
Este texto foi escrito conjuntamente com Dominique Boyer, autor de Galicismos 50 Palavras Vindas do Francês , obra indispensável pelos entusiastas das línguas portuguesa e francesa.