Descobrindo a Califórnia: Paso Robles

Sexta-feira, 4 de abril de 2014

Ao organizarmos nossa viagem, optamos por conhecer diferentes zonas vinícolas californianas, desde a mais badalada, Napa Valley, até as menos famosas, passando por Sonoma County, um meio termo. Assim, após ler uma matéria na revista inglesa Decanter, em um suplemento especial sobre a Califórnia, optamos por Paso Robles, ou apenas Paso como preferem os locais.


Localizado a três horas de San Francisco e a três horas de Los Angeles, Paso Robles, uma AVA (American Viticultural Area) situada no condado de San Luis Obispo e abrangendo não apenas a cidade homônima mas também outras localidades próximas, embora não seja um dos Wine Countries mais famosos e badalados da Califórnia, possui vinícolas clássicas e famosas, como Justin, Turley e J. Lohr, entre outras, tendo muito a oferecer. Mesmo assim, a estrutura de enoturismo da região é primorosa e muito bem organizada (veja mais abaixo em "dicas gerais"), além de a cidade contar com uma cena gastronômica incrível e com excelentes opções de hospedagem, sem preços inflacionados como os de Napa Valley. Um dos melhores hotéis em que ficamos em toda a viagem - e curiosamente o mais barato de todos - era em Paso, o La Bellasera Hotel & Suites.

Um dos destaques do crescente enoturismo da região, e que nunca havia visto em outro lugar do mundo, é a The Wine Line (HopOnTheWineLine.com), um serviço coletivo de van com três linhas (West Side, East Side e Downtown), que passa a cada 40 minutos em vinícolas indicadas em seus itinerários, deixando e buscando passageiros.


E com o primeiro lugar do vinho Saxum James Berry Vineyard Paso Robles 2007 no Top 100 Wine of 2010 da revista Wine Spectator, Paso ganhou notoriedade.


Saímos cedo de Healdsburg, em Sonoma, e rumamos para Paso Robles. Optamos por um caminho mais longo e panorâmico, pela Highway 1, a qual acessamos a partir de Santa Cruz. De lá seguimos para Monterey e depois passamos pela Big Sur, uma cadeia de montanhas que divide o norte e o sul da Califórnia, com vistas deslumbrantes. Passamos o dia viajando, parando para tirar fotos e almoçar. Chegamos de noitinha no hotel e jantamos em seu excelente restaurante, o Enoteca, um suculento rib eye com uma taça de Wild Horse 2007 Cabernet Sauvignon, nosso primeiro vinho de Paso Robles.

1º dia

Dividimos as visitas às vinícolas em dois dias, um para a parte oeste e outro para a região leste de Paso Robles.


Paso apresenta uma paisagem mais selvagem do que a de Napa Valley em geral (Sonoma varia de acordo com a parte em que você está), principalmente na parte oeste. Em alguns lugares, sequer havia sinal de celular, e deve-se dirigir com cuidado, por conta dos animais que costumam cruzar a estrada.


Iniciamos pela Justin Vineyards & Winery, uma das mais prestigiosas vinícolas de Paso Robles, com vinhos incríveis e bem elaborados. Degustamos um refrescante 2010 Sauvignon Blanc Paso Robles, sem passagem em barrica, seguido de um 2009 Chardonnay Reserve Paso Robles, com passagem em madeira e muito equilibrado. Passamos, então, aos tintos: 2009 Cabernet Sauvignon Paso Robles, 2009 Syrah Paso Robles, e os dois flagship wines da vinícola, o 2008 Justification Paso Robles (65% Cabernet Franc e 35% Merlot, sem filtragem) e o 2008 Isosceles Paso Robles (78% Cabernet Sauvignon, 13% Cabernet Franc, 8% Merlot e 1% Petit Verdot, sem filtragem). Encerramos com o Obtuse, um vinho fortificado.


Em seguida, rumamos para a Tablas Creek Vineyard, outro destaque de Paso Robles, e pertencente à família Haas e à família Perrin, esta última também proprietária do tradicional Château de Beaucastel, em Châteauneuf-du-Pape, França.


Em resumo, são três linhas de vinhos, praticamente todas com uvas típicas do Rhône (o vinho branco elaborado com a italiana Vermentino é uma das exceções), com clones, em sua maioria, trazidos da propriedade da família Perrin no sul do Rhône: 1) Espirit de Beaucastel (o branco baseado na Roussanne, e o tinto com a predominância da Mourvèdre), no melhor estilo dos vinhos Châteauneuf-du-Pape; 2) Côtes de Tablas (o branco a base de Viognier e o tinto com Grenache); 3) os Single Varietal e os de edição limitada.


Vale observar que, embora Paso Robles produza excelentes vinhos com a Cabernet Sauvignon e a Zinfandel, há uma grande tendência a se apostar em vinhos elaborados com a Syrah, Mourvèdre, Grenache, Viognier, Roussanne, e outras uvas do Rhône. O movimento dos Rhône Rangers ganhou ainda mais força com a escolha do Saxum James Berry Vineyard Paso Robles 2007 como vinho número 1 do Top 100 Wine of 2010 da revista Wine Spectator. E só para ilustrar, o mais famoso festival de vinhos da região sugestivamente se chama Hospice du Rhône.


Da linha Espirit de Beaucastel degustamos o branco 2008, e os tintos 2006 e 2008, todos incríveis. Degustamos ainda um belo rose, que lembrava muito um Tavel, e ainda um varietal da italiana Vermentino, e dois Vin de Paille, um branco e um tinto.


De lá seguimos para a Adelaida Cellars, especializada em vinhos com Syrah, com Grenache e com outras uvas do Rhône, embora também produza um frutado Pinot Noir e vinhos com a Zinfandel e com a Cabernet Sauvignon. Porém, foram os vinhos varietais de Syrah e de Grenache, de vinhedos específicos, que mais nos impressionaram.


Terminamos o dia explorando Downtown Paso, que conta com diversas Tasting Rooms, algumas de vinícolas específicas, bem como lojinhas interessantes, inclusive uma só de azeites, a We Olive, em que o cliente pode degustar antes de decidir qual comprar. A variedade é imensa.



Degustamos ali em Downtown Paso os vinhos da Ortman Family Wines, uma pequena vinícola familiar, com vinhos de bom custo benefício não apenas de Paso, mas também do condado vizinho de San Luis Obispo. E finalizamos o dia com um jantar no Il Cortile, um pequeno e excelente restaurante italiano.

2º dia

Iniciamos o dia pela parte leste de Paso Robles. Nossa primeira parada foi na J. Lohr Vineyards & Wines, que possui vinhedos não apenas em Paso Robles, mas também em Monterey e Napa Valley, contando com uma Tasting Room também em San Jose. A vinícola se orgulha de sua sustentabilidade e de suas práticas ecologicamente corretas, contando com um incrível sistema de energia solar, o maior da indústria de vinhos norte-americana.


A J. Lohr Vineyards & Wines conta com um grande leque de rótulos, dos mais simples até os de alta gama. Foram oito vinhos degustados, todos muito bons (South Ridge Paso Robles Syrah 2009, Los Osos Paso Robles Merlot 2009, Seven Oaks Paso Robles Cabernet Sauvignon 2009, Hilltop Paso Robles Cabernet Sauvignon 2007, Carol's Vineyard Napa Valley Cabernet Sauvignon 2007, Toures Road Vineyard Paso Robles Petit Syrah, os das safras 2006 e 2007, e o mais surpreendente de todos o Gesture GSM Paso Robles Grenache, Syrah, Mourvedre 2009).

Na sequência, visitamos a Eberle Winery, também bem tradicional na região. Lá além de provar alguns vinhos de diversas cepas, inclusive um Barbera, ainda pudemos fazer um tour pelas caves subterrâneas da vinícola, e sem qualquer cobrança. Dentre os rótulos degustados, os melhores, sem dúvida, eram o Cabernet Sauvigon Estate Bottled 2007 e o Syrah Steinbeck Vineyard 2008, ambos de Paso Robles, sendo o último um dos atuais destaques da vinícola.


Visitamos, após uma pausa para um almoço, a prestigiada Turley Wine Cellars, especializada em vinhos Zinfandel, de vinhas antigas, e que são vinhos disputados pelos colecionadores americanos. E realmente, a coisa ficou séria. Provamos quatro rótulos de vinhos Zinfandel que, juntamente com os da Zichichi Family Vineyards e os da Seghesio Family Vineyards, ambas de Sonoma County, são os melhores vinhos Zinfandel que provamos. Degustamos os seguintes vinhos: Turley 2009 California Zinfandel Jubenile, Turley 2009 California Zinfandel Old Vines, Turley 2009 Paso Robles Zinfandel Dusi Vineyard e Turley 2006 Napa Valley Zinfandel Hayne Vineyard. O que explicaram é que a vinícola tem vinhedos em Napa Valley e em Paso Robles e quando iniciou sua operação não conseguiu autorização para abrir uma tasting room em Napa, acabando por abrir apenas em Templation, uma das cidades vizinhas a Paso Robles.


Ainda visitamos mais duas vinícolas, já prestes a encerrar o dia, e escolhidas ao acaso.


A primeira foi a Midnight Cellars, uma vinícola familiar, com vinhos de excelente custo-benefício, na qual o que mais me impressionou foi um branco bem complexo, o Paso Robles Autora Reserve 2008, blend tipicamente do sul do Rhone, com predominância da Viognier e da Roussanne.


A segunda, ali bem pertinho, e que encerrou nosso dia, foi a Eagle Castle Winery, um castelo de arquitetura medieval, com ponte levadiça e armaduras (perfeito para um menino de três anos). Embora a nossa impressão inicial era de que seria uma espécie de programa meio furado em termos de vinho, acabamos surpreendidos. Havia uma variedade imensa de rótulos, o que sempre vemos com certa desconfiança, por assim dizer. No entanto, os vinhos eram muito bem feitos, e bem gastronômicos. E mais uma vez nos surpreendemos com um Viognier, aromático, em muito lembrando um Condrieu, e um delicioso vinho de sobremesa, colheita tardia, com a Viognier.

Dicas gerais

(inclusive de onde comprar vinhos):


I) Planejando a viagem:


Para melhor se planejar e não perder tempo em um só lugar, busque montar um roteiro básico antes de viajar, ainda que possa sofrer modificações. Não deixe de:


1) comprar aqui do Brasil, via Amazon.com, o Napa-Sonoma Wine Country Map and Guide, um mapa com diversas vinícolas indicadas, com endereços, telefones, horários e outras informações;


2) pedir no site www.pasowine.com o guia gratuito em forma de brochura de Paso Robles, eles enviam pelo correio para o Brasil;


3) fazer uma lista de vinícolas que gostaria de visitar, agrupando-as por região e subregião, ganhando tempo nos deslocamentos;


4) RESERVAR do Brasil, se possível, tours, restaurantes, visitas a vinícolas; planejar é imprescindível;


5) se já tiver seu próprio aparelho GPS, marcar no computador por meio do Google Maps (versão norte-americana, a brasileira não tem essa funcionalidade. No YouTube há vídeos explicativos da Garmin, dentre outros, mostrando o passo-a-passo) todos os pontos de interesse (vinícolas, hotéis, restaurantes, lojas de vinho, rotas etc...) e passar para o dispositivo GPS via USB (acreditem, poupa tempo).


II) BYOB (Bring your own bottle):


Diversos restaurantes de Napa, Sonoma e Paso Robles, dos mais simples aos mais sofisticados, aceitam que o cliente traga seu próprio vinho, e não raro, quando se trata de um vinho local, isentam os consumidores da taxa de rolha. Assim, você pode comprar um vinho nas suas visitas às vinícolas durante o dia e degustá-lo no jantar.

Deve-se conferir a política de cada restaurante.

III) Compra de vinhos nas vinícolas:


Por incrível que pareça, salvo raríssimos casos (e.g. um vinho que só é vendido na vinícola; um vinho raro ou de produção minúscula; isenção da taxa de degustação com a compra) ou se você integra um dos wine clubs das vinícolas (impossível para quem não reside nos Estados Unidos, e mesmo assim dependendo do Estado), não vale a pena comprar os vinhos diretamente nos produtores, como diferentemente ocorre em muitos outros países. A razão é simples, acordos comerciais com distribuidores nacionais.


Apenas um exemplo, o Insignia 2007, vinho ícone da Joseph Phelps Vineyards, era, à época da visita, vendido na vinícola por US$ 225.00, e na Wine House, megastore em Los Angeles, por US$ 149.90.

Lojas de vinhos e Tasting Rooms em San Francisco

Uma das grandes febres na Califórnia, são as Tastings Rooms nas cidades de médio e grande porte. Em San Francisco existem diversas, que também vendem as garrafas, em geral de produtores menores (e não menos interessantes): Winery Collective, Wines of California, Buena Vista Carneros Winery Tasting Room etc...


Na minha humilde opinião, embora seja válido visitar algumas Tasting Rooms, especialmente se você quer tomar um vinhozinho sem compromisso no final da tarde, para compras, a melhor opção é a K&L San Francisco (www.klwines.com - com mais duas filiais, uma em Los Angeles). Embora o endereço passe longe do circuito turístico Union Square - Fisherman`s Wharf, uma rápida corrida de táxi resolve. Sempre entro em uma loja dessas tendo noção do que quero comprar, após prévia pesquisa no site da loja, senão enlouqueço com a variedade e os preços incríveis! E mesmo assim, ainda surgem tentações!

Lojas de vinhos em Los Angeles e cidades vizinhas

Los Angeles possui diversas lojas de vinhos e é o paraíso para qualquer enófilo.


As minhas preferidas, não apenas pela variedade (e não me refiro apenas a vinhos californianos, mas a vinhos de todas as partes do mundo), são Wine House (www.winehouse.com) e K&L Hollywood (www.klwines.com). E nas vizinhanças de Los Angeles, bem pertinho da Disneyland, a Wine Exchange (www.winex.com - a minha preferida nos Estados Unidos) em Orange, e, em Tustin, a clássica Total Wine (www.totalwine.com) com várias filiais em diversos Estados norte-americanos. Todas uma perdição e, mais uma vez, advirto, visite os sites antes e faça uma listinha para não correr o risco de enlouquecer e não sair mais da loja!


IV) Como despachar seus vinhos para o Brasil:


Uma das angústias de qualquer brasileiro apaixonado por vinhos é como trazer na bagagem aqueles vinhos maravilhosos (não só os norte-americanos, mas italianos, franceses etc...) que, ou não são comercializados no Brasil, ou aqui são vendidos a preços no mínimo três vezes mais caros (um Chateau Montelena Chardonnay, da safra corrente, custa US$ 45.00 nas lojas americanas e no Brasil a bagatela de R$ 350,00).


Uma solução simples e barata é comprar nas vinícolas ou nas lojas da UPS caixas de isopor e papelão para despachar vinhos. As caixas de seis ou doze garrafas possuem compartimentos individuais de isopor para cada uma das garrafas e resistem sem problemas à viagem de avião. Comprei por US$ 8.00 uma dessas caixas em uma vinícola.


Outras opções para transportes de vinhos você encontra em nosso post anterior Enodicas: Transportando Vinhos em Viagens.


Cheers!

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