Como os Franceses Conquistaram o Continente Americano - Parte I (Estados Unidos)

Sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Em 1976, em Paris, Steven Spurrier, um inglês proprietário de uma loja e de um curso de vinhos na Cidade-Luz (Caves de la Madeleine e Académie du Vin) e hoje um respeitado colaborador da revista inglesa Decanter, promoveu, para celebrar o bicentenário da independência norte-americana, uma degustação de vinhos franceses e californianos.


A degustação, às cegas, foi dividida em dois painéis.  O primeiro com vinhos da uva Chardonnay  e outro de vinhos com predominância da cepa Cabernet Sauvignon no corte. Os jurados eram, em sua esmagadora maioria, todos figuras importantes e respeitadas do mundo do vinho francês, como, dentre outros, Odette Kahn, editora da Revue du vin de France; Christian Vanneque, sommelier do La Tour d'Argent, Aubert de Villaine, do Domaine de la Romanée-Conti.

Em ambos os painéis, os vinhos californianos se sagraram campeões (respectivamente, nos primeiros lugares de cada painel, Chateau Montelena Chardonnay 1973 e Stags Leap Wine Cellars 1973), surpreendendo e apresentando ao mundo a produção da Califórnia.


Muitas repetições da histórica degustação de Paris ocorreram nos anos seguintes, sempre com os vinhos californianos em primeiro lugar, embora não necessariamente com os mesmos vinhos em primeiro lugar no evento original.

Especialistas franceses advogaram a tese de que os vinhos californianos eram mais adequados para serem bebidos jovens, enquanto que os franceses necessitavam de mais tempo em garrafa para amadurecer, tese que não vingou por conta das inúmeras repetições da degustação de 1976 com resultados similares.

Curiosamente, no entanto, pouco se falou das notas individuais dos jurados da degustação de 1976, que, em sua maioria, colocavam vinhos franceses nas primeiras posições, ganhando, pelo menos no caso específico dos tintos, o vinho californiano por conta da média das notas.


De qualquer forma, a partir do “Julgamento de Paris” em 1976, com reforço de eventos nos mesmos moldes nos anos seguintes, não apenas os vinhos californianos ganharam fama e prestígio, mas o próprio mundo do vinho voltou suas atenções ao potencial do chamado Novo Mundo, até então pouco explorado pelos franceses.


Em 1979, em Paris, em uma competição anual conhecida como “Olimpíadas do Vinho”, um vinho Pinot Noir (David Lett), do Willamette Valley, no Oregon, ficou em terceiro lugar no painel de vinhos elaborados com a referida cepa.


No ano seguinte, em um evento organizado por Robert Drouhin, também na França, um vinho da vinícola Eyrie elaborado com a Pinot Noir, e também do Oregon, ficou em segundo lugar.


Todos esses eventos apresentaram ao mundo novas fronteiras do vinho, com a Califórnia em destaque, seguida do Oregon, havendo ainda muitas outras regiões a descobrir, e com potencial para produzir vinhos capazes de rivalizar com os grandes vinhos europeus.

No entanto, e ao contrário do que muitos podem imaginar, os produtores franceses não se encastelaram, não se fecharam em seu orgulho, e passaram a correr o mundo em busca de novos terroirs para elaborar vinhos que refletissem, por assim dizer, a “escola francesa”, iniciando uma espécie de “colonização” do novo mundo do vinho, com forte enfoque no continente americano.


De início, e a partir da década de 1980, os franceses se concentraram nos Estados Unidos, sobretudo na Califórnia.


Na verdade, e esse é um fato poucas vezes lembrado, os franceses, antes mesmo do “Julgamento de Paris” em 1976, já haviam “descoberto” o potencial da Califórnia para a produção de bons vinhos.


Uma das Maisons de Champagne que iniciou operação na Califórnia foi a Louis Roederer, fundando a Roederer Estate. Esta foi uma das pioneiras na remota e bela região de Anderson Valley, no coração de Mendocino no noroeste californiano, elaborando principalmente vinhos espumantes de acordo com o método clássico (com segunda fermentação em garrafa).


Seguindo os passos da Möet & Chandon e da Louis Roederer, outros produtores de Champagne fundaram vinícolas na Califórnia, como a Mumm Califórnia, a Domaine Carneros (Taittinger).


A atenção dos franceses em relação à Califórnia, porém, não se limitou à produção de vinhos espumantes.


A Dominus Estate, em Napa Valley, um projeto de Christian Moueix, herdeiro dos célebres  Chateaux Pétrus, La Fleur-Pétrus, Trotanoy (Pomerol) e Magdelaine (Saint Emilion), é um dos projetos pioneiros dos franceses na Califórnia e datado de 1981. A Dominus nasceu da paixão de seu proprietário pelos vinhos californianos, paixão esta iniciada no final de década de 1960 quando esteve por um tempo na Califórnia para estudar.


Outro exemplo de pioneirismo francês é a vinícola Tablas Creek, em Paso Robles. Trata-se de uma joint-venture iniciada na segunda metade da década de 1980 entre a Família Perrin (do Château de Beaucastel) e o suíço Robert Haas. Juntos apostaram na então ainda desconhecida região de Paso Robles. Para relembrar nosso post sobre nossa visita a Paso Robles e à Tablas Creek clique aqui.


E há muitos outros casos, como a St. Supéry Winery em Rutherford, Napa, de propriedade do enólogo francês Robert Skalli; ou ainda o poderoso Chalone Wine Group (controlada pelos Domaines Barons de Rothschild - Lafite) sediado em Napa, e com propriedades em várias partes da Califórnia e do Estado de Washington.

Em 1973 a Maison Möet & Chandon fundou em Yountville, no coração do vale de Napa, a Domaine Chandon, após cinco anos de buscas por vinhedos na Califórnia.


Posteriormente, já no final da década de 1970 e início da década de 1980, importantes produtores franceses iniciaram operações na Califórnia. Todos preocupados com a alta demanda de vinhos espumantes no mundo e a impossibilidade de crescimento da região de Champagne.

Uma outra face desse movimento foi o estabelecimento de parcerias entre produtores franceses e vinícolas locais (os italianos seguiram esse modelo posteriormente, capitaneados pela família Antinori, como, por exemplo., no projeto da vinícola Col Solare, em Red Mountain, no Columbia Valley, Washington).


Uma das primeiras e mais importantes dessas parcerias ocorreu ainda no final da década de 1970, e se deu entre o produtor californiano Robert Mondavi e o Château Mouton Rothschild. O projeto se firmou nos anos seguintes originando a vinícola Opus One, em Napa Valley, que produz um vinho homônimo de altíssima qualidade, e moldado em seu respeitado primo francês o Château Mouton Rothschild.


Outra recente parceria ocorreu entre Aubert de Villaine (Domaine de la Romanée-Conti) e Larry Hyde, da Hyde Vineyards, em Carneros, produzindo um vinho com a Chardonnay e um outro vinhocom corte de Merlot e Cabernet Sauvignon. O projeto se chama HdV.


No Oregon, a Maison Drouhin (originária da Borgonha) está presente desde o final da década de 1980 elaborando vinhos principalmente com a Pinot Noir e com a Chardonnay, nos melhores moldes da Borgonha.


Mais recentemente, em 2013, o négociant borgonhês Louis Jadot comprou vinhedos na sub-apelação de Yamhill-Carlton, localizada no Willamette Valley, no Oregon, com o intuito de produzir seus primeiros vinhos já na safra daquele mesmo ano. Para tal missão, a Maison Louis Jadot designou como enólogo Jacques Lardière, que foi diretor técnico da vinícola francesa por 42 anos e havia se aposentado em 2012.


Além dos projetos próprios ou em parcerias com vinícolas locais, a influência francesa se fez sentir também pelo trabalho de enólogos franceses, alguns como consultores (por exemplo, o famoso e controvertido Michel Rolland), outros como enólogos residentes, como Geneviève Janssens, na Robert Mondavi Winery.


E esse movimento não se limitou apenas à Costa Oeste norte-americana com outros produtores franceses buscando novos terroirs em outras partes do chamado continente americano, como veremos em posts futuros.

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