Vinos de Postre - Um Doce Tesouro Argentino


Quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Vinhos tintos elaborados com as uvas Malbec, Cabernet Franc, Bonarda, ou ainda vinhos brancos secos com a Torrontés vêm à mente quando falamos em vinhos argentinos. Em geral, na hora da sobremesa, os argentinos costumam preferir espumantes extra brut, e não vinhos doces (colheita tardia ou fortificados).

No entanto, existe uma variada e rica produção de vinos de postres na Argentina, que pouco é conhecida seja dentro do próprio país, seja no exterior. Poucos rótulos desses vinhos são exportados, até mesmo pela pequena produção.

Basicamente, há dois estilos de vinos de postre na Argentina. Os vinhos de colheita tardia e os fortificados (obviamente os espumantes não entram nessa categoria, apesar do costume local de servi-los e harmonizá-los com a sobremesa).

Na primeira categoria, a dos vinhos de colheita tardia, encontramos vinhos elaborados com uma ampla gama de cepas: Chardonnay, Torrontés, Sémillon (muitas vezes encontrada em rótulos com a grafia adaptada ao espanhol Semillón), Sauvignon Blanc, Gewurtztraminer, Verdicchio, dentre outras. Podendo ou não ser “botritizados”.

Vinhos “botritizados” são vinhos cujas uvas foram atacadas pelo fungo Botrytis cinerea, a chamada “podridão nobre”.

Em determinadas condições ideais, manhãs frias e úmidas com tardes quentes e secas, surge o fungo Botrytis cinerea, atacando as uvas no vinhedo (em geral, cepas brancas, embora possa ocorrer com uvas tintas, como na região dos Amarones, no Vêneto). Com a “podridão nobre”, os  fenótipos das uvas se alteram, e as cascas passam para um tom do rosado ao marrom, tornando-se mais porosas e liberando mais água. Como consequência, as uvas encolhem e passam a concentrar mais ácidos e açúcares, a combinação ideal para vinhos doces.

Apesar da esmagadora maioria dos vinhos de colheita tardia ser de brancos, há ainda alguns tintos elaborados com a Malbec. Exemplos são o Achaval Ferrer Dolce elaborado com uvas Malbec pacificadas e com 16º alc.

Nessa categoria surge ainda o uso equivocado de alguns termos em diversos rótulos de vinhos de sobremesa argentinos de colheita tardia.

O primeiro é o termo “vino dulce natural”, que às vezes aparece em francês nos rótulos (vin doux naturel). Na Argentina, esse termo é usado como sinônimo para vinhos doces de colheita tardia. Porém, originariamente, vin doux naturel é um termo francês específico para vinhos fortificados (com interrupção da fermentação das uvas pela adição de aguardente vínica deixando açúcar residual - como ocorre nos vinhos do Porto) e não para vinhos de colheita tardia.

Outro termo de origem francesa utilizado de forma imprecisa em alguns vinhos de sobremesa argentinos de colheita tardia é “sélection de granos nobles” (algumas vezes aparece apenas o termo granos nobles nos rótulos). Esse termo, sélection de granos nobles, é um termo francês utilizado nos vinhos de colheita tardia da Alsácia e que necessariamente precisam ser “botritizados” (diferentemente dos Vendanges Tardives alsacianos, que podem ou não ser “botritizados”).

Há ainda um experimento curioso da vinícola Las Perdices: um ice wine artificial. O Las Perdices Ice é um Malbec de colheita tardia cujas uvas, antes de serem fermentadas, se submetem a um congelamento criando cristais de gelo em suas cascas.

Alguns vinhos de colheita tardia (com indicação da Botrytis cinérea):

·        Rutini Vin Doux Naturel (Sémillon e Verdicchio) - “botritizado”;

·        Saint Felicien Sémillon Doux (da Catena Zapata – 100% Sémillon) – normalmente é botritizado”;

·        Luigi Bosca Gerwurztraminer Selección de Granos Nobles – não ”botritizado”;

·        Los Stradivarius de Bianchi L’Elixir d’Amore (maior parte Semillón completada por Sauvignon Blanc) - normalmente é botritizado”;

·        Las Perdices Ice (Malbec) - não ”botritizado”;

·        Salentein Late Harvest Sauvignon Blanc - não ”botritizado”;

·        Susana Balbo Signature Late Harvest Malbec - não ”botritizado”;

·        El Esteco Torrontés Tardio - não ”botritizado”.

Na segunda categoria, a dos vinhos fortificados, a Malbec é praticamente a única protagonista, embora haja alguns rótulos elaborados com uvas brancas, como alguns da linha Malamado da Zuccardi (Malamado Soleria Torrontés, Malamado Viognier).

Vinhos fortificados (ou “vinhos generosos” ou em francês “vin doux naturel”) são, em resumo, vinhos elaborados com a adição de aguardente vínica ao suco em fermentação (“fortificação” ou “mutage” em francês), interrompendo-se esta e dando origem a um vinho doce e de alto teor alcóolico. A fortificação mata as leveduras e permite criar um vinho doce. O momento da fortificação irá definir o grau de doçura do vinho.

Note-se que na Argentina, em geral, se utiliza a fortificação para interromper a fermentação. Claro que há exceções como o Pera-Grau, um vinho fortificado oxidativo (e não doce), elaborado pela Catena Zapata no estilo dos olorosos de Jerez e 100% Palomino, em que a fortificação ocorre após a fermentação.

Outro ponto a destacar é que, na Argentina, o mais comum são os vinhos fortificados em estilo redutivo, isto é, com o mínimo contato com o oxigênio. São vinhos no estilo dos Portos Ruby.

Uma curiosidade é a comum utilização do termo “encabezado de Malbec” para indicar vinhos fortificados doces elaborados com a Malbec.

Alguns vinhos fortificados (estilo vinho do Porto ruby):

·        Fond de Cave Encabezado de Malbec;

·        Trumpeter Encabezado de Malbec;

·        Rutini Encabezado de Malbec;

·        Zuccardi Malamado Malbec;

·         Zuccardi Malamado Vintage, um vinho com clara inspiração nos Portos Vintages;

·        Los Stradivarius Porto de Magoas Tinto Dulce (Bodegas Bianchi).

Como vimos, há uma variada e rica produção de vinos de postres na Argentina, e pouco conhecida. Esses vinhos estão lá, esperando o enófilo, com preços acessíveis e alta qualidade. Um verdadeiro tesouro a ser descoberto! ¡Salud!

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