Quinta da Bordaleira - Nasce uma vinícola no Dão


Sábado, 17 de fevereiro de 2024

Em 2017 tive a oportunidade de participar de uma vindima, um sonho até então, e uma experiência inesquecível. Porém, não foi apenas uma colheita, mas a primeira vindima de um novo projeto vinícola, no Dão, na sub-região da Serra da Estrela, a Quinta da Bordaleira.

A Quinta da Bordaleira é a concretização de um sonho dos amigos e compadres Renato e Božidara Pellegrini.


Renato, natural do Rio de Janeiro, com quem durante anos dividi o blog VinoCult, predecessor desse site, e muitas boas garrafas de vinho, sempre falou da sua vontade de um dia encontrar a região ideal e fazer seu próprio vinho. Assim, daria continuidade ao legado de seu avô materno, que tinha vinhas em Rabaçal e Carvalhal perto de Trancoso, na Beira Interior, em Portugal.


Por outro lado, sua esposa Božidara Pellegrini, de origem eslovaca, também inspirada por tradição familiar, sempre acalentou o sonho de produzir seus próprios vinhos. O seu avô materno possuía um vinhedo em Bojna pertencente à região vitícola eslovaca de Nitrianska vinohradnícka oblasť, na sub-região de Radošinský vinohradnícky rajón (oblast e rajón significam, respectivamente, em eslovaco “região” e “sub-região”).

Foto cedida pela Quinta da Bordaleira

Aqui vale um pequeno parêntese. A Eslováquia possui uma antiga tradição na elaboração de vinhos. A região mais antiga, com certeza a mais famosa, e dividida com a Hungria, é Tokaj. Além de Tokaj, destaca-se a região de Nitriansky kraj, no centro da Eslováquia, e com longa tradição iniciada no século XIV quando monges franceses cultivaram na aldeia de Radošina cepas de origem francesas (Pinot gris, Pinot blanc, Pinot Noir - chamadas de Klevner na região), elaborando vinhos. Os vinhos Radošinský Klevner eram os preferidos da imperatriz Maria Teresa da Áustria, e foram servidos, em 1947, no casamento da Rainha Elizabeth II com o Príncipe Philip em Londres. 

Em 2016 a Família Pellegrini deu um importante passo rumo à realização de seu sonho ao adquirir, nas cercanias da aldeia de Paranhos da Beira, uma quinta com 4 hectares de vinhas a cerca de 600 metros de altitude e plantadas com as castas Alfrocheiro, Touriga Nacional, Encruzado, Tinta Roriz, Gouveio e Malvasia Fina.

Em 2017 houve a primeira colheita, e as uvas foram vendidas, à exceção de uma pequena parte. Essas uvas que não foram vendidas deram origem a um vinho experimental, quase artesanal, para consumo da Família Pellegrini (e de alguns felizardos amigos como eu).


Em 2018, com o talentoso enólogo António Narciso, o projeto embalou e elaboraram-se os primeiros vinhos.


O projeto Quinta da Bordaleira sempre buscou uma forte ligação com a Serra da Estrela, sub-região vinícola do Dão em que se localiza. Seu próprio nome é uma alusão à um tipo de ovelha, a Bordaleira, típica da região. É a Bordaleira que fornece o leite para os famosos queijos da Serra da Estrela, e lã para o tradicional tecido burel.


Finalmente, em novembro de 2023, na concorrida feira Essência do Vinho de Lisboa, houve o lançamento oficial dos vinhos da Quinta da Bordaleira. 


Após provar em anos anteriores os vinhos diretamente da barrica ou da cuba, no início desse ano tive a oportunidade de degustar com a Família Pellegrini, os seis vinhos da Quinta da Bordaleira, três brancos e três tintos.

Os brancos degustados foram os seguintes: 

·        Quinta da Bordaleira Family Selection Branco 2022: um corte de Encruzado (prevalecente) e um pouco de Malvasia Fina, com passagem em cubas de aço inox. Impressionou muito, até mesmo por se tratar do vinho “de entrada” do produtor;

 ·        Quinta da Bordaleira Reserva Branco 2021: 100% Encruzado, com fermentação controlada a frio em cubas de inox, e estágio de parte do vinho por 6 meses em barricas de carvalho francês de 225 litros. Um vinho com toda tipicidade da casta branca emblemática do Dão.

 ·        Quinta da Bordaleira 1993m Branco 2020: um vinho de edição limitada, produzido apenas nos melhores anos, 100% Encruzado com passagem de três meses em barricas novas de carvalho francês após a sua fermentação em inox. O nome é uma homenagem à Serra da Estrela, o ponto mais alto de Portugal continental com seus 1993 metros de altitude. 


Por fim, os tintos degustados:

Quinta da Bordaleira Family Selection Tinto 2021: um tradicional corte do Dão de Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Roriz, sem passagem em madeira, fresco e com taninos polidos. 

Quinta da Bordaleira Reserva Tinto 2019: corte de Touriga Nacional e Alfrocheiro, com prevalência da primeira, parte do vinho estagia por 12 meses em barricas de carvalho francês de usos variados, com grande capacidade de guarda.

Quinta da Bordaleira 1993m Tinto 2018: tal qual a versão branca, esse tinto que homenageia a Serra da Estrela em seu nome, é elaborado apenas em anos especiais. Apenas 1408 garrafas produzidas da safra 2018. Um monovarietal de Touriga Nacional, uva que tem no Dão o seu berço, e, segundo o produtor, “450 litros estagiaram 12 meses em barricas" (novas) "de carvalho francês, enquanto 600 litros foram guardados em tanques de inox para preservar os aromas originais do nosso terroir (…) permaneceu em inox para estabilização natural pelo frio do inverno”. Um vinho com grande capacidade de guarda!

Costumo dizer que um bom produtor elabora vinhos de qualidade em cada uma das suas linhas e não apenas nas linhas ultra premium. E foi justamente isso que a Família Pellegrini almejou e conseguiu. Todos belíssimos vinhos, extremamente bem elaborados. Uma grande estreia da Família Pellegrini! Saúde!




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