Domingo, 03 de novembro de 2024
Na terceira quinta-feira de novembro de cada ano ocorre o lançamento da nova safra do chamado Beaujolais Nouveau. Em mais de uma centena de países, lojas especializadas de vinhos e restaurantes anunciam: “Le Beaujolais Nouveau est arrivé!” E, assim, é lançada a nova safra (do mesmo ano em curso) dos vinhos Beaujolais Nouveau, vinhos tintos ou rosés jovens elaborados sob o manto da AOC Beaujolais ou da AOC Beaujolais Villages.
Essa tradição surgiu a partir do costume em Lyon de beber os vinhos Beaujolais logo após a sua vinificação no mesmo ano da sua safra, o que se mostrava adequado por conta dos baixos níveis de taninos da uva Gamay. Nesse contexto, a Union Interprofessionnelle des Vins du Beaujolais (UIVB) definiu, em 1951, o dia 15 de novembro para o lançamento em primeur dos vinhos Beaujolais.
Porém, em 1985, o Institut National des Appellations d’Origine (INAO) estabeleceu a terceira quinta-feira de novembro como a data oficial para o lançamento do Beaujolais Nouveau.
Nos anos seguintes, os vinhos Beaujolais Nouveau tornaram-se conhecidos em todo mundo, gerando grande visibilidade para a região de Beaujolais.
© Vins du Beaujolais
© Vins du Beaujolais / Etienne Ramousse
Porém, apesar do sucesso dessa estratégia de marketing, a região de Beaujolais acabou marcada por esse estilo de vinho, um vinho frutado caracterizado por aromas de morango, banana e chiclete (aquele tutti-frutti da infância) e acabando por eclipsar grandes vinhos de terroir elaborados na região, em especial os Crus de Beaujolais.
Atualmente, no entanto, os Crus de Beaujolais, em um esforço capitaneado pela Union Interprofessionnelle des Vins du Beaujolais (UIVB), vem sendo descobertos em todo o mundo. E o melhor, com preços bem atrativos.
© Vins du Beaujolais / Etienne Ramousse
Beaujolais é uma pequena região, com cerca de 54km de extensão do norte ao sul, e de 14km do leste ao oeste. Ao norte é limitado pelo Mâconnais (Borgonha); ao sul pela cidade de Lyon; ao oeste pelos Monts du Beaujolais e pelo rio Saône ao leste. O clima da região é semi-continental com influência mediterrânea, o que assegura maturação adequada das uvas.
Por suas características de solos e topográficas, a região de Beaujolais pode ser dividida, a partir do rio Nizerand, na altura da vila de Villefranche-sur-Sâone, em duas subregiões: sul e norte.
A parte sul se caracteriza por encostas suaves e planícies contando com solos de mármore e calcário. Aqui prevalecem os vinhos das AOPs Beaujolais e pequena parte dos vinhos AOP Beaujolais Villages.
Já na parte norte, os solos são graníticos e xistosos, intercalados com areias grossas compostas por micas, quartzos, feldspatos desgastados e outros minerais (Arène ou Gorrhe), e aqui há vinhedos plantados entre 195 e 390 metros acima do nível do mar. A maior parte dos Beaujolais Villages e todos os Crus se localizam na parte norte.
A uva tinta Gamay Noir é a principal (98% dos vinhedos), sendo autorizadas ainda a Pinot Noir e as brancas Chardonnay, Aligoté, Melon de Bourgogne e Pinot Gris.
Nos vinhos Beaujolais, Beaujolais Supérieur, Beaujolais Villages e Côte de Brouilly permite-se a complementação com até 15% de Pinot Noir, Chardonnay Aligoté, Melon de Bourgogne, Pinot Gris, com a condição de que estas uvas estejam plantadas misturadas (field blend).
Já os vinhos brancos em Beaujolais são 100% Chardonnay.
Todos os Crus de Beaujolais são tintos elaborados 100% com a Gamay, exceto o Côte de Brouilly que pode ter 15% de outras uvas conforme anteriormente mencionado.
© Vins du Beaujolais / Etienne Ramousse
Os vinhos das AOPs de Beaujolais são todos elaborados pelo método chamado maceração semi-carbônica.
Por esse método, em resumo, cachos inteiros são colocados em cubas imediatamente após a colheita manual, sem qualquer prensagem, esmagamento ou desengaço. O peso das uvas estoura os cachos no fundo da cuba. As leveduras selvagens das cascas começam a transformar em álcool e os açúcares naturais das uvas em gás carbônico. O gás carbônico começa então a ser liberado e progressivamente substitui o oxigênio no ar. As uvas no fundo e no meio começam a liberar suco (“capa” ou “chapéu”) que, por sua vez, é retirado do fundo e despejado nas uvas que estão no topo do recipiente (remontage), acentuando o caráter frutado do vinho.
A duração da maceração semi-carbônica, e que irá impactar no resultado final, varia de 4 a 15 dias. Nos Beaujolais AOC Crus ocorre entre 10 e 15 dias; e nas demais AOCs (Beaujolais e Beaujolais Villages) de 6 a 10 dias, sendo que nos vinhos no estilo Noveau de 4 a 6 dias.
© Vins du Beaujolais / Etienne Ramousse
Após a maceração carbônica ocorre a trasfega (soutirage), na qual o suco escorrido é retirado da cuba e os cachos de uvas que permanecem ali permanecem são retirados para serem prensados (“descuba” ou “prensagem”). O suco de escoamento livre e o suco da prensa são então misturados para continuar sua fermentação para, em seguida, iniciar o seu amadurecimento. Essa última etapa torna o vinho mais rico, desenvolvendo aromas mais complexos.
Com o escopo de aumentar os níveis de taninos e cor nos vinhos, alguns produtores têm optado por desengaçar e esmagar as uvas antes de colocar em cuba para maceração e fermentação.
Os vinhos podem estagiar em cubas de aço inoxidável ou de cimento, ou em barricas de carvalho, sendo opcional realizar a filtração.
© Vins du Beaujolais / Etienne Ramousse
A região de Beaujolais conta com diversas AOP/AOCs (Appellation d'Origine Protégée / Controlée). A primeira é a AOP homônima que estabelece a seguinte hierarquia:
- Beaujolais: tintos, rosés e brancos;
- Beaujolais Supérieur: tintos e rosés;
- Beaujolais + nome do vilarejo: tintos, rosés e brancos - 30 vilarejos estão autorizados a ter seu nome nos rótulos.
Já a AOC Beaujolais Villages é uma zona menor de produção limitada a 30 vilarejos produzindo vinhos tintos, rosés e brancos.
CB The Wine Hunter
Por fim, temos os 10 Crus de Beaujolais, que produzem apenas vinhos tintos, todos com colheita manual. Cada cru é uma AOP. São eles do norte para o sul com algumas de suas características principais:
- Saint-Amour: o mais setentrional dos Crus, apresentando vinhos de corpo leve;
- Juliénas: vinhos de médio corpo, com mais potencial de guarda. Apresenta solos de granito com veios de magnésio;
- Chénas: o mais encorpado e estruturado, com grande potencial de guarda, e o menor dos crus;
- Moulin-à-Vent: mais encorpado e estruturado, com grande capacidade de envelhecimento, o mais tânico dos crus. Aqui os solos são constituídos por uma areia grossa folhada (feldspato desgastado, mica, quartzo e outros minerais), além de granito rosa rico em manganês. É chamado de Rei do Beaujolais;
© Vins du Beaujolais
- Fleurie: corpo mais leve, considerado o mais delicado dos crus, apresentando vinhos aromáticos e florais. Os solos contam com granito rosa, e argila mais abaixo em algumas partes;
- Chiroubles: vinhos de corpo mais leve, e o localizado em maior altitude;
- Morgon: mais encorpado e estruturado e o segundo maior cru. Os solos são compostos de roches pourries (“rochas podres”), ou seja, xisto decomposto rico em ferro e manganês;
- Régnié: vinhos de corpo médio e o mais recente dos Crus (1988). Seus solos são compostos de granito rosa, xisto decomposto, e areias grossas (feldspatos desgastados, mica, quartzo e outros minerais);
- Brouilly: vinhos de corpo médio. É o cru mais meridional e o maior de todos, com solos contendo diorito decomposto com rocha vulcânica de azul quase preto e um tom azul-esverdeado decorrente da quebra de tais rochas (cornes vertes);
- Côte de Brouily: vinhos de corpo médio. Localizado nas encostas do Mount Brouilly e dentro da AOC Brouilly, com solos com diorito decomposto e com bolsões de granito rosa no leste das encostas.
CB The Wine Hunter
Como se verifica, há muito a ser explorado na região, com os vinhos de terroir. Em novembro, quando você, leitor, ouvir ou ler “Le Beaujolais Nouveau est arrivé!”, aproveite para explorar e experimentar os Crus e os Beaujolais Villages. Há ótimos produtores com vinhos à venda no Brasil (Georges Duboeuf, Louis Jadot, Joseph Drouhin, Albert Bichot, Louis Latour etc).
Santé!