Sábado, 29 de março de 2025
O Douro é a região demarcada mais antiga do mundo (1756). Situa-se a 80 km ao leste da cidade do Porto. Estende-se ao longo do percurso do rio Douro, limitada ao oeste pelas serras do Marão e do Montemuro, barreiras naturais que restringem a influência marítima dos ventos atlânticos e retêm as precipitações elevadas na entrada da região, que termina ao leste na fronteira com a Espanha.
A região do Douro, moldada por colinas, morros e montanhas ao longo do curso do rio, cria um anfiteatro natural protegido dos ventos e que retém calor. As condições climáticas variam dentro da região (variedade de microclimas – quanto mais ao leste, mais seco e quente). De um modo geral, no entanto, o clima é moderadamente continental.
O prestígio e a fama da região se devem ao tradicional vinho do Porto (vinhos fortificados - DOP Porto). No entanto, o Douro produz outros estilos de vinhos: vinhos tranquilos brancos, rosados e tintos (DOP Douro ou de indicação geográfica protegida denominada “regional duriense”); espumantes e licorosos (DOP Douro).
Embora já se produzissem na regão vinhos tranquilos ou “de mesa”, a grande estrela - com exceção do mítico vinho tinto Barca Velha – era, sem dúvida, o vinho do Porto. Porém, no final do século XX e início desse século houve um aumento na força dos vinhos tranquilos do Douro, com foco principalmente em vinhos tintos, seguida nos últimos anos por vinhos tranquilos brancos de alta gama.
Nessa “revolução” teve – e ainda tem - como um dos seus principais promotores o grupo autointitulado Douro Boys.
Em 2003, cinco produtores do Douro (Quinta do Crasto, Quinta do Vale Meão, Niepoort, Quinta do Vallado, Quinta Vale D. Maria) uniram-se com o intuito de promover internacionalmente seus vinhos tranquilos (sem prejuízo de seus vinhos do Porto), buscando posicionar a região do Douro como uma das grandes regiões vitivinícolas do mundo. Em sua missão, os Douro Boys percorreram o mundo, promovendo degustações e palestras, leilões de vinhos, e recebendo visitantes de todo o mundo em suas fantásticas propriedades no Douro.
Atualmente, a aliança é composta por quatro vinícolas: Quinta do Crasto, Quinta do Vale Meão, Niepoort e Quinta do Vallado. Cristiano Van Zeller vendeu faz alguns anos a Quinta Vale D. Maria e hoje se dedica a elaborar vinhos do Porto antigos.
Nesse mês de março de 2025, os Douro Boys retornaram ao Brasil (haviam visitado juntos o Brasil em 2011 e em 2012, depois voltando separadamente), trazendo a primeira edição internacional de masterclasses intituladas “Luxury of Time”. O nome da nova campanha dos Douro Boys valoriza a paciência e o tempo na criação de vinhos de alta gama e longa capacidade de guarda, frutos de tradições seculares.
Recentemente, no Hotel Emiliano, Copacabana, no Rio de Janeiro, tive o privilégio de novamente participar de uma inesquecível masterclass dos Douro Boys, com Tomás Roquette (Quinta do Crasto), Francisco Olazabal (Quinta do Vale Meão), José Teles (Niepoort) e João Alvares Ribeiro (Quinta do Vallado).
A degustação foi dividida em duas partes, seguida de uma recepção com vários dos vinhos degustados. A primeira parte era dedicada a vinhos tranquilos, brancos e tintos. A segunda era exclusiva para vinhos do Porto.
A primeira parte da degustação foi dividida em quatro flights (um para vinhos brancos e os demais para vinhos tintos) e mais um vinho tinto para encerrar. Foram degustados os seguintes vinhos:
Flight 1:
- 2023 Meandro do Vale Meão Branco, Quinta do Vale Meão: um dos dois vinhos brancos produzidos pela Quinta do Valle Meão, um corte das uvas brancas Rabigato e Arinto. Aromas cítricos, corpo médio (-) e viva e alta acidez
- 2023 Crasto Superior Branco, Quinta do Crasto: elaborado com uvas oriundas da Quinta da Cabreira (60% Viosinho, 40% Verdelho), propriedade da vinícola na subregião do Douro Superior, apresenta notas cítricas e fruta de caroço (pêssego) e aromas florais, corpo médio (-) e acidez média (+), com longa persistência.
- 2023 Redoma Reserva Branco, Niepoort: Elaborado a partir de vinhas velhas (uvas brancas Rabigato, Códega de Larinho, Viosinho, Arinto e outras) com idade de 40 a 100 anos, fermentação e estágio em barricas de carvalho francês, apresentando corpo médio (+), acidez média (+), notas de frutas de caroço (damasco) e cítricas, final persistente.
- 2018 Vallado Reserva Branco, Quinta do Vallado: um vinho que demonstra o potencial de guarda dos brancos durienses, um corte das uvas Rabigato, Gouveio, Viosinho e Arinto. Aos setes anos, os aromas primários ainda estão presentes (lima, limão), porém já apresenta notas de evolução como avelã e damasco seco. Acidez alta e corpo médio (+).
Flight 2:
- 2021 Roquette & Cazes Magnum, Quinta do Crasto: o segundo vinho do projeto iniciado em 2002 por Jorge Roquette (Quinta do Crasto) e Jean-Michel Cazes (Château Lynch-Bages). Um assemblage de Touriga Nacional (60%), Touriga Franca (25%) e Tinta Roriz (15%) oriundas da subregião do Douro Superior e com estágio de 18 meses em barricas de carvalho francês de usos diversos. Notas de frutas vermelhas, toque floral especiarias, corpo médio (+) acidez média, e final persistente.
- 2020 Redoma Tinto, Niepoort: o Redoma foi o primeiro vinho tinto da Niepoort (1991), elaborado com a partir de diversas vinhas velhas (mais de 60 anos), na subregião do Cima Corgo. Apresenta corpo médio (-), taninos integrados, acidez média, notas de frutas vermelhas e especiarias.
- 2017 Vallado Douro Superior Tinto, Quinta do Vallado: um corte de Touriga Nacional, Touriga Franca e Sousão da Quinta do Orgal, com estágio de 16 meses em barricas de carvalho francês usadas. Aos oitos anos, ainda se mostra jovem, necessitando de mais tempo para a integração dos taninos. Acidez média, corpo médio (+), destacando-se os frutos vermelhos e uma leve nota floral.
- 2017 Quinta do Valle Meão: assemblage de 55% Touriga Nacional, 40% Touriga Franca, 3% Tinta Barroca e 2% Tinta Roriz, com estágio em barricas de carvalho francês (60% novas e 40% de segundo uso). Elegante e profundo, com frutas pretas, notas balsâmicas (menta), alcaçuz, acidez média (+) taninos médios e polidos em conjunto perfeitamente integrado.
Flight 3:
- 2010 Vallado Tinto, Quinta do Vallado: vinho de entrada da Quinta do Vallado, um corte de Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Roriz e Sousão provenientes de vinhas velhas co-plantadas (field blend). Surpreendentemente, aos 15 anos, apresentou aromas primários de frutas vermelhas, porém já com notas de evolução (terra, couro). Acidez média (-) e corpo médio (-).
- 2020 Vertente, Niepoort: elaborado a partir de vinhas de diversos terroirs do Douro, com idades compreendidas entre os 50 e os 80 anos, e mistura de castas (field blend). Apresenta aromas e gosto de frutas pretas, como cassis, notas balsâmicas, acidez média corpo médio e final persistente.
- 2018 Vinha da Ponte Magnum, Quinta do Crasto: elaborado a partir de uma vinha centenária com castas co-plantadas (field blend) e que lhe empresta o nome. Apenas engarrafado em anos em que atinge uma qualidade excepcional. O vinho estagia por 20 meses em barricas novas de carvalho francês. Frutas pretas, notas florais e balsâmicas, acidez média, taninos redondos e integrados. Espetacular!
- 2007 Quinta do Valle Meão: um corte de 45% Touriga Franca, 38% Touriga Nacional, 12% Tinta Roriz e 5% Tinta Barroca, com estágio em barricas de carvalho francês (80% novas e 20% de segundo uso). Aos dezoito anos, ainda se mostra jovem, com muitos anos de guarda pela frente, destacando-se os aromas de frutas pretas, alcaçuz, terra e couro. Taninos aveludados integrados com uma acidez média, demonstrando a capacidade de guarda e evolução dos vinhos do Douro.
Flight 4:
- 2019 Vinha Maria Teresa Magnum, Quinta do Crasto: também elaborado apenas em anos excepcionais, a vinha Maria Teresa é um dos mais antigos vinhedos da Quinta do Crasto, plantada em socalcos e em solo xistoso, e com mais de 100 anos de idade. Os 4,7 hectares plantados do vinhedo possuem, misturadas entre si (Field Blend), dezenas de castas diferentes, inclusive brancas, das tradicionais do douro até algumas mais improváveis (Cabernet Sauvignon, Baga). Apresenta acidez média (+), taninos médios (+) marcantes, frutas negras e vermelhas, notas florais e balsâmicas. Um vinho único e de longa guarda.
- 2017 Batuta, Niepoort: um dos grandes tintos da Niepoort, lançado a primeira vez em 1999, com uvas provenientes da Vinha do Carril (mais de 70 anos) plantada voltada ao norte, e de vinhas velhas com cerca de 100 anos próximas da Quinta de Nápoles. Um vinho com muito corpo e estruturado, porém elegante, com taninos marcantes, com notas de mirtilo, grafite e violeta. Ainda jovem, e com grande potencial de guarda.
- 2017 Vallado Reserva Field Blend Tinto, Quinta do Vallado: elaborado a partir de vinhas velhas (entre 60 e 100 anos), com mais de 35 castas co-plantadas e com predominância das uvas Tinta Roriz, Tinta Amarela, Touriga Franca e Tinta Barroca. Frescor presente, acidez média, taninos médios e bem integrados, amora, figos maduros, notas balsâmicas e tabaco.
- 2014 Quinta do Valle Meão: um corte de 45% Touriga Nacional, 35% Touriga Franca, 5% Tinta Roriz e 5% Tinta Barroca, com estágio em barricas de carvalho francês (60% novas e 40% de segundo uso). Taninos elegantes e integrados com a acidez média, apresentando frutas pretas, terra, couro e notas balsâmicas e ainda com muta vida pela frente.
- 2014 Quinta do Valle Meão: um corte de 45% Touriga Nacional, 35% Touriga Franca, 5% Tinta Roriz e 5% Tinta Barroca, com estágio em barricas de carvalho francês (60% novas e 40% de segundo uso). Taninos elegantes e integrados com a acidez média, apresentando frutas pretas, terra, couro e notas balsâmicas e ainda com muta vida pela frente.
Final:
- 2021 Douro Boys Anniversary Cuvée: um vinho elaborado pelos Douro Boys (inclusive a Van Zellers & Co) em conjunto para celebrar o vigésimo aniversário do projeto. Cada um selecionou o seu melhor vinho tinto da safra 2021 e, em conjunto, após uma degustação às cegas, criaram o blend final. Um vinho com aromas de frutas pretas bem presentes (ameixas, mirtilo), notas florais e balsâmicas, alcaçuz, taninos médios (+) e ótima acidez. Um vinho único e especial, com muita vida à frente.
Já a segunda parte da degustação foi dedicada exclusivamente aos vinhos do Porto, dividida em dois flights e mais um rótulo para encerrar:
Flight 1:
- Vintage 2001, Quinta do Vale Meão: um segundo lote do Vintage 2001 da Quinta do Vale Meão foi separado para envelhecer em garrafa nas caves da vinícola, com o objetivo de ser lançado no mercado apenas em seu apogeu. O vinho foi, então, “rearolhado” em outubro de 2022. Embora com 24 anos, ainda é um vinho jovem, com a presença de muita fruta preta em compota e com notas florais e de ervas aromáticas. Taninos integrados a uma acidez vibrante, apresentando um longo e persistente final.
- Colheita 2003, Quinta do Crasto: Os Tawnies de anos específicos devem ser engarrafados com um mínimo de 7 anos. O 2003 da Quinta do Crasto foi engarrafado com 18 anos. Apresenta uma cor âmbar alaranjada brilhante, frutos secos, mel e casca de laranja.
- Tawny 20 years, Quinta do Vallado: um Tawny clássico, com notas de avelãs, nozes, casca de laranja e mel.
- Tawny 30 years, Niepoort: O mais concentrado dos três Tawnies do flight, com notas de especiarias, flor de laranjeira e caramelo.
Flight 2:
- Colheita 1987, Niepoort: engarrafado aos 20 anos, apresenta notas de nozes, avelãs e frutos secos com um leve caramelo.
- Colheita 1999, Quinta do Vale Meão: um raríssimo Porto Tawny Colheita retirado diretamente das barricas para a degustação. Extremamente complexo, com notas de frutos secos, avelãs, nozes, figo desidratado e casca de laranja cristalizada.
- Tawny 30 years, Quinta do Crasto: Cor laranja dourado com tons esverdeados, apresentou notas de caramelo, mel, figos secos e casca de laranja.
- Tawny 50 Anos, Quinta do Vallado: Vinho de cor âmbar com tons castanhos, notas de toffee, casca de laranja cristalizada, mel e um leve toque cítrico, um vinho profundo, exuberante e de final extremamente persistente.
Final:
- Douro Boys Anniversary Very Old Tawny Port: o grand finale foi um vinho do Porto de edição especial, engarrafado em 2023 e elaborado pelos Douro Boys (inclusive a Van Zellers & Co) em conjunto para celebrar o vigésimo aniversário do projeto. Usaram-se lotes de tawnies antigos, chegando-se a uma média de idade de 50 anos. Apresenta notas de toffee, laranja e figos cristalizados, nozes e avelãs. Um vinho extremamente complexo e de final persistente.
Uma experiência única e inesquecível, que demonstra que a região do Douro e os seus vinhos estão entre os grandes do mundo!
Saúde!