Quarta-feira, 12 de junho de 2024
Côte-Rôtie é um dos Crus (Appellation d'Origine Protégée/Côntrolée destacada por ter grande prestígio) do Rhône setentrional, e seus vinhos rivalizam em qualidade e preço com os vinhos da vizinha Hermitage.
Mencionados na antiguidade por autores como Plínio, o Velho, e Plutarco, os vinhos de Côte-Rôtie eram chamados de “vinhos de Vienne”, cidade nas cercanias que guarda importantes ruínas romanas.
Posteriormente, no século VI surgiram os primeiros escritos mencionando os vinhos de Ampuis (um dos vilarejos onde se localiza parte dos vinhedos) e Côte-Rôtie.
No final da Idade Média e durante o período renascentista, os vinhos de Ampuis gozaram de grande prestígio. No século XVIII os vinhos de Côte-Rôtie eram comprados e enviados para as realezas francesa, inglesa, russa e prussiana.
A contrário de muitas outras regiões francesas em que os vinhedos foram praticamente dizimados na segunda metade do século XIX, pela filoxera e outras doenças, Côte-Rôtie resistiu, mantendo quase intactos seus vinhedos.
Foi, no entanto, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que causou estragos na produção de vinhos de Côte-Rôtie, pois muitos vignerons tiveram que abandonar seus vinhedos para lutar na guerra. Nesse ponto, começou o declínio de seus vinhos.
Em 1940 a Appellation d'Origine Contrôlée Côte Rôtie foi oficialmente criada. No entanto, após a II Guerra Mundial, os vinhos de Côte-Rôtie chegaram a ser vendidos a granel e por preços muito baixos.
Nas décadas de 1950, 1960 e 1970 os viticultores de Côte-Rôtie se viram obrigados a plantar outras culturas para sobreviver. O vinho já não era suficiente.
Porém, a tenacidade de alguns personagens locais como Joseph Vidal-Fleury, que sempre apostou nos vinhos da região e continuou a comprar as uvas, insistindo com os vignerons locais que tinham que continuar acreditando no enorme potencial de Côte-Rôtie.
Outros personagens de destaque foram Albert Dervieux, presidente da associação local de viticultores, e Marcel Guigal, que lideraram na década de 1960 a resistência para impedir empreendimentos imobiliários na área.
É ainda na década de 1960 que Albert Dervieux e Marcel Guigal passam a colher as uvas e a elaborar vinhos de parcelas (lieux-dits) distintas, explorando as nuances e diferenças do terroir de Côte-Rôtie (o primeiro destes, La Mouline de Guigal é da safra de 1966), em contraponto à tradição de elaborar blends com uvas de diferentes parcelas.
Entretanto, esse triste cenário onde os vinhos eram vendidos a granel ou praticamente apenas engarrafados por negociants perdurou até a década de 1970, quando restavam apenas cerca de 72 hectares de vinhedos plantados (contra os cerca de 300 hectares atuais). No final da década de 1970 e no início da década de 1980, contudo, o jogo virou.
Em 1976 Côte-Rôtie teve uma safra de qualidade excepcional. Os vinhos de parcelas únicas de Guigal, La Landonne e La Mouline alcançaram enorme prestígio. A área de vinhedos plantados começou a aumentar.
O grande reconhecimento internacional e que catapultou de vez o prestígio dos vinhos Côte-Rôtie veio em janeiro de 1987, com um artigo do influente crítico norte-americano Robert Parker. No artigo, Parker teceu os maiores elogios aos vinhos Côte-Rôtie de parcelas únicas de Guigal (La Turque, La Mouline e La Landonne), e de René Rostaing (genro e “herdeiro” de Albert Dervieux). A fênix havia renascido!
Côte-Rôtie é a Appellation d'Origine Contrôlée mais ao norte do Rhône setentrional, estendendo-se pelos vilarejos de Saint-Cyr-sur-Rhône, Ampuis e Tupin-Semons, possuindo características únicas. Produz apenas vinhos tintos com a uva Syrah. As regras da AOP admitem o uso da uva branca Viognier em até 20% com a Syrah, devendo ser co-fermentadas. Na prática, porém, quando usada a Viognier, em média, utiliza-se menos de 5%.
Um detalhe a ser lembrado, em Côte-Rôtie a Viognier está sempre plantada misturada com a Syrah (co-plantation ou field blend), daí a razão para a sua admissão no blend.
Quando falamos em Côte-Rôtie dois nomes sempre vêm à mente: Côte Blonde e Côte Brune. Conta a lenda que o nobre francês Seigneur de Maugiron, proprietário de Côte-Rôtie no século XVI, resolveu dividir sua propriedade entre suas duas filhas para que conseguissem bons casamentos. Uma tinha os cabelos loiros e sua parte ao sul ficou conhecida como Côte Blonde; já a outra filha tinha cabelos castanhos e sua parte ao norte ficou conhecida como Côte Brune.
Em Côte-Rôtie há uma distinção entre os solos da parte sul e da parte norte da apelação, divididas pela chamada ravina de Reynaud, por muitos denominadas genericamente como Côte Blonde e Côte Brune.
Na verdade, Côte-Rôtie possui cerca de 73 lieux-dits, e Côte Blonde e Côte Brune são os dois mais famosos lieux-dits, logo acima do vilarejo de Ampuis, e não uma divisão entre a parte sul e a norte.
O ponto em comum dos solos de Côte-Rôtie é a presença de granito, que, conforme os diferentes minerais que o compõem, apresentam diferentes tonalidades.
Na parte sul – erroneamente chamada por alguns de Côte Blonde – os solos graníticos são compostos principalmente de gnaisse de cor clara. São solos extremamente quebradiços. Nesses locais, por conta da fragilidade dos solos, faz-se necessária a construção dos chamados cheys, uma série de muros de pedras que lembram os socalcos do Douro. Os vinhos se caracterizam por ter uma estrutura tânica menos evidente e impactante.
Já na parte norte - equivocadamente denominada por alguns de Côte Brune – os solos são xistosos, uma mistura de micas branca e pretas, dando uma coloração marrom. As rochas aqui são mais duras que na parte sul e os solos são mais ricos em ferro. Aqui há maior estabilidade do solo, com maior teor de argila. Os vinhos do norte tendem a ser mais tânicos e com mais estrutura.
Em Côte-Rôtie há mais variação de terroir do que em Hermitage. E há ainda outros aspectos a se levar em conta, como se o vinho é de parcela única e as técnicas enológicas empregadas.
A tradição em Côte-Rôtie sempre foi o corte de diferentes parcelas para se obter complexidade. Claro que em alguns casos é uma questão de necessidade, já que não raro os produtores possuem poucas vinhas em diferentes lieux-dits. Porém, mesmo nas hipóteses de blend de parcelas distintas, as uvas de cada uma são vinificadas separadamente por conta de diferentes – ainda que em alguns casos singelos – pontos de maturação.
Como em outras regiões clássicas, o uso de barricas de carvalho novo gera debates. Há os que advogam o uso de madeira como forma de melhorar a qualidade dos taninos (e não de aportar aromas), enquanto os tradicionalistas defendem que o uso de carvalho novo, com período prolongado de estágio em barricas, desvirtua a tipicidade dos vinhos Côte-Rôtie, que seriam mais delicados e perfumados.
Por outro lado, outras técnicas enológicas que impactam no resultado são a inclusão ou não de Viognier e o desengace ou não das uvas para a prensagem.
Atualmente, produtores médios e grandes acabam por ter diversas cuvées. Um vinho de blend de parcelas, vinhos com vinhas mais novas e outros com vinhas mais velhas, e vinhos de distintos lieux-dits.
Por fim, em uma região complexa como Côte-Rôtie degustar é o caminho para compreender o terroir, buscando produtores que sejam referência na região. Alguns que podemos destacar: Chapoutier, Guigal, René Rostaing, Domaine Jasmin, Jamet, Clusel-Roch, Yves Cuilleron, Delas Frères, Domaine Jamet, François Villard, Pierre Gaillard, Vidal-Fleury, Stephane Ogier, Duclaux, dentre outros.
Santé!