Quinta-feira, 29 de agosto de 2024
Em 2024 a Bodegas Vivanco, em Briones, na sub-região da Rioja Alta, comemora 20 anos de sua inauguração, aliando tradição com modernidade e reconhecida como um dos grandes projetos de enoturismo na Rioja.
Embora aparentemente nova para os padrões da região, que conta com diversas vinícolas centenárias, a história da família Vivanco com a produção de vinhos começou quatro gerações atrás, em 1915.
Nesse ano de 1915, Pedro Vivanco, um pastor da vila de Alberite, nas cercanias de Logroño, comprou um pequeno vinhedo. Ali elaborava vinhos para consumo familiar, e vendia eventual excedente. Seu filho, Santiago, continuou a produzir vinhos, porém mantinha uma loja em Logroño onde vendia alimentos e um pouco de seu vinho, prosperando o seu negócio e a sua produção de vinhos.
Seu filho Pedro, a geração seguinte, resolveu, aos 20 anos, estudar enologia na cidade de Requena, próxima à Valencia. Ao retornar à Rioja, Pedro Vivanco prestou serviços a diversas vinícolas, sempre acalentando o sonho de ter sua própria bodega.
Na década de 1980, Pedro Vivanco comprou uma propriedade com vinhedos no vilarejo de Briones, na sub-região da Rioja Alta. Ali nascia o embrião de sua vinícola, inaugurada anos mais tarde, em 2004. Naquela mesma época, registrou-se o nome Dinastia Vivanco, nome inspirado nos títulos nobres de algumas bodegas riojanas (marqueses, condes etc). Posteriormente, o termo “dinastia” foi deixado de lado, mantendo-se apenas o nome da família, de forma a lembrar suas origens camponesas.
Na década seguinte, a família Vivanco continuou a adquirir vinhedos, e Pedro começou a acalentar o sonho de criar um museu dedicado ao vinho.
Em 2001, após se formar em engenharia agrônoma em Pamplona e se especializar em enologia em Bordeaux, onde trabalhou em algumas vinícolas, Rafael Vivanco, a quarta geração da família, retornou à Rioja passando a trabalhar nos vinhedos da família, sempre em busca de um equilíbrio entre tradição e inovação, contando sempre com o irrestrito apoio de seu pai, Pedro.
Seguindo seus instintos e aprendizado, Rafael Vivanco passou a trabalhar os diferentes terroirs dos diversos vinhedos da família, explorando uvas até então relegadas a um segundo plano nos vinhos da Rioja.
Na Rioja, 91% dos vinhos produzidos é tinto, e a uva tinta Tempranillo é a mais plantada (88% do total das uvas tintas), prevalecendo nas sub-regiões da Rioja Alta e da Rioja Alavesa, seguida da Garnacha Tinta (que prevalece na sub-região da Rioja Oriental). As demais cepas tintas autorizadas são a Mazuelo (nome local da Cariñena/Carignan), a Graciano e a quase extinta Maturana Tinta, havendo algumas outras cepas antigas em quantidades mínimas e misturadas com outras uvas.
Na década de 2000, a Tempranillo reinava, tendo por coadjuvante preferencial em blends a Garnacha Tinta.
Rafael Vivanco então inovou, explorando as demais variedades tintas riojanas, inclusive as uvas brancas. Nesse contexto, lançou a linha de vinhos Colección Vivanco, com vinhos de produção limitada e que exploravam a Mazuelo, a Graciano, a Maturana Tinta, dentre outras, e até mesmo um vinho tinto doce de colheita tardia a base de Garnacha e Mazuelo, complementadas pela Tempranillo e pela Graciano.
Outros exemplos do pioneirismo das Bodegas Vivanco foram (1) o uso de câmaras frigoríferas para guardar as uvas, macerar de forma mais lenta, extraindo-se mais cor e taninos, preservando-se aromas, e evitar oxidação; (2) a fermentação em grandes tanques de carvalho francês, de forma a conservar os aromas frutados e preservando-se o frescor; (3) o uso de barricas de carvalho francês de baixa ou medida tosta; e, é claro, o uso das uvas secundárias nos assemblages com a Tempranillo.
Em 2004, foi oficialmente fundada a vinícola, então com o nome Dinastia Vivanco, mas não apenas isso. Na verdade, nasceu um inovador projeto enoturístico, com um museu do vinho (Museo de La Cultura del Vino), hoje considerado um dos melhores do mundo. A inauguração contou com a presença do Rei da Espanha Juan Carlos I, apenas para se ter ideia da magnitude do projeto.
O museu, hoje gerenciado pela Fundação Vivanco, nasceu da coleção de Pedro Vivanco (3ª geração), que sempre buscou preservar objetos ligados ao vinho, como prensas antigas. A essa vontade de preservar objetos históricos ligados à viticultura e à enologia, somou-se a influência da esposa de Pedro e mãe de Rafael Vivanco, Angélica, pintora e apreciadora das artes. Ela apresentou as artes ao seu marido e a seus filhos, em especial a partir de viagens e visitas a museus.
O Museo de La Cultura del Vino é extremamente didático. Ocupa uma área de 4000 metros quadrados, com 5 salas de exposição permanente, uma sala para exposições temporárias e no exterior com o Jardín de Baco com uma coleção de videiras de mais de 220 variedades de uvas de todo o mundo.
Na parte inicial, explora-se a história do vinho, desde a antiguidade chegando aos dias atuais, com diversos objetos e obras de arte. Há uma parte destinada a detalhar a viticultura, a enologia e até mesmo uma sala onde o visitante pode apreciar e entender todos os aromas possíveis de serem encontrados em vinhos.
Há ainda salas com diversas grandes obras de arte de grandes mestres, como, por exemplo, Picasso, Miró, Sorolla, Juan Gris, Chillida, Barceló e Genovés, dentre outros.
Por fim, uma das mais completas coleções de saca-rolhas do mundo, com centenas de itens.
Em recente viagem à região da Rioja, tive a grata oportunidade de visitar a Bodegas Vivanco.
Iniciamos a visita pelo Museo de La Cultura del Vino, conhecendo sua incrível coleção.
Na sequência, fizemos o tour guiado pelas instalações (sala de cubas, salas de barricas etc), conhecendo a história da vinícola, as técnicas usadas e a filosofia empregada. Terminamos a visita guiada com uma degustação de dois tintos, o Crianza 2021 (90% Tempranillo, 2% Maturana Tinta, 3% Graciano e o Reserva 2017 (90% Tempranillo, 10% Graciano).
Almoçamos, em seguida, rapidamente no bar de tapas – não havia tempo hábil para um almoço completo no restaurante – e comemos tortillas, jamón e alguns outros embutidos típicos, com uma copa de rosado.
Passamos, depois, ao Wine Corner, um bar de vinhos localizado na loja da vinícola, com balcão e com todos os vinhos em taça, servidos a partir de máquinas de preservação, para dar sequência à nossa degustação.
Degustamos então os seguintes vinhos:
1) Vivanco Colección 4 Varietales 2017 (70% Tempranillo, 15% Graciano, 10% Garnacha e 5% Mazuelo);
2) Vivanco Brunes – Vino de Municipio Briones 2020 (90% Tempranillo, 10% Maturana Tinta);
3) Vivanco Colección Parcelas de Garnacha 2019 (100% Garnacha);
4) Vivanco Colección Parcelas de Mazuelo 2019 (100% Mazuelo);
5) Vivanco Colección Parcelas de Maturana Tinta 2019 (100% Maturana Tinta);
6) Vivanco Colección Parcelas de Graciano 2019 (100% Graciano);
7) Vivanco La Isla Viñedo Singular 2019 (96% Tempranillo, 2% Moristel e Garnacha Tinta e 2% de variedades brancas mescladas, com predominância de Viúra);
8) Vivanco Colección 4 Varietales Dulce de Invierno 2019 (40% Garnacha, 40% Mazuelo, 10% Tempranillo e 10% Graciano).
Uma degustação extremamente didática.
Após degustar vinhos clássicos (Crianza e Reserva), pudemos provar vinhos monovarietais das castas riojanas, um ao lado do outro.
E ainda degustamos dois vinhos especiais e espetaculares das classificações zonais da Rioja. Um Vino de Municipio (85% das uvas precisam ser do pueblo indicado e a vinícola precisa estar localizada em seu território) e um Viñedo Singular (a categoria mais alta, criada em 2017, que reconhece a alta qualidade de determinados vinhedos, que precisam ter mais de 35 anos de idade, ter rendimentos 20% menores do que os normais na DOCa Rioja, dentre outros requisitos, o equivalente riojano aos Grand Crus da Borgonha).
Vale mencionar que no Wine Corner há uma série de flights propostos, porém é possível criar o seu próprio. E há algumas condições que isentam o enófilo de pagar conforme os tipos e quantidades de garrafas que compra.
Um detalhe interessante e original sobre os rótulos dos vinhos: cada linha de vinho tem no rótulo uma peça exposta no museu, seja uma pintura, uma escultura ou até mesmo um saca-rolhas da coleção! Arte e vinho de mãos dadas.
Importante destacar que a visita ao Museo de La Cultura del Vino, o tour guiado ou ainda degustações no Wine Corner, refeições no bar de tapas ou no restaurante podem ser feitas separadamente, bastando escolher a opção que mais agrada ao visitante.
Uma experiência inesquecível e uma visita imprescindível a qualquer apaixonado por vinhos e arte em visita à região da Rioja Alta.
¡Salud!