Vinhos de Talha, Uma Tradição Alentejana

Sexta-feira, 30 de abril de 2021

Já faz alguns anos que os vinhos fermentados e/ou envelhecidos em ânforas de argila vêm ganhando popularidade em diversas regiões vinícolas, em especial do Novo Mundo, como Estados Unidos e Argentina. Uma “novidade” que os gregos e os romanos na Idade Antiga já conheciam e usavam.


A argila é porosa, assim como o carvalho, dando uma textura mais rica ao vinho, pois permite algum oxigênio. No entanto, a argila - assim como o aço dos tanques e ao contrário da madeira - não confere nenhum sabor adicional ao vinho, pois é um material neutro e, talvez por isso, caiu nas graças de alguns enólogos buscando uma maior pureza sem influência do carvalho no vinho.

O uso de ânforas de argila chegou aos dias atuais por meio de tradições de algumas antigas regiões produtoras de vinhos.


Na Geórgia, por exemplo, o método é ancestral, com os vinhos fermentados e envelhecidos nos chamados Kvevri (ou Churi), que são grandes ânforas sem alças, em formatos que lembram ovos, fechadas e quase sempre enterradas no solo (podem ser colocadas em grandes adegas também).


Em Portugal, mais precisamente no quente Alentejo, a tradição do uso das ânforas – chamadas de Talhas - ganha maior destaque, remontando seu uso ao tempo do Império Romano. Foram os antigos romanos que introduziram na Península Ibérica as vinhas, as técnicas de viticultura e a arte de elaboração de vinhos. A grande quantidade de ruínas romanas na região (aquedutos, templos, teatros, pontes etc) demonstram a anterior e forte presença romana na Hispânia, inclusive no Alentejo.


O chamado vinho de talha, herança dos romanos, é, em síntese, um vinho elaborado em enormes ânforas de argila, as talhas.


As talhas portuguesas são enormes, podendo chegar a 2 metros de altura e contar até 2 mil litros. Uma particularidade é o fato de possuírem uma pequena abertura ou passagem no fundo onde se encaixa uma espécie de pequena torneira, por onde se retira o vinho.

O processo para a produção dos vinhos de talha ocorre primeiro com o esmagamento das uvas por pisa ou prensa. Pode-se ou não realizar o desengaço, de forma manual ou mecânica. Na sequência, coloca-se o produto dentro da talha, iniciando-se a fermentação. Normalmente, usam-se apenas leveduras indígenas, buscando a menor intervenção possível.


Iniciada a fermentação, uma espécie de véu ou chapéu formado com as cascas e outros restos sólidos das uvas sobe por conta do CO2. Essa massa vínica é empurrada diversas vezes ao dia (e até de noite) para o fundo da talha com o uso de rodos de madeira, durante a fermentação e mais algum tempo depois. Essa etapa demora cerca de duas semanas, até que esse véu se deposite de vez no fundo.


Terminada a fermentação (cerca de 8 a 15 dias após o início do processo) e, após mais algumas semanas, com a estabilização da massa vínica no fundo, a talha é lacrada em sua parte de cima, até o momento de o vinho ser engarrafado ou retirado diretamente do fundo da talha por meio de uma torneira colocada na abertura inferior.

Há uma tradição no Alentejo de que abertura das talhas em 11 de novembro, dia de São Martinho, para os vinhos mais simples, retirados direto das talhas e servidos em tabernas.


No entanto, muitos produtores, para vinhos mais complexos, esvaziam as talhas, passando o vinho para outras talhas até o momento de ser engarrafados no ano seguinte.


Algumas vinícolas optam por, após a fermentação dos vinhos nas talhas, bombear o produto para cubas de aço inox ou para barricas de madeira.

Os vinhos de talha podem ser brancos, tintos ou rosados, estes localmente chamados de petroleiros, sendo uma mistura de castas brancas e tintas. Usa-se para todos o método anteriormente descrito, com suas variantes.


Nos últimos anos, pouco mudou na elaboração dos vinhos de talha, que mantém sua essência, com vinhos caracterizados pela frescura da fruta.


Essa tradição se mantém viva no Alentejo, com cada vez mais produtores produzindo um ou mais rótulos de vinhos de talha, como os da Herdade do Esporão (um branco, e dois tintos, o Moreto e o Vinhas Velhas), da Cartuxa – Fundação Eugênio Almeida (branco Vinho de Curtimenta e tinto Vinho de Talha, Biológico), Herdade do Rocim (brancos e tintos da linha Amphora), dentre outros. Tudo com o nobre objetivo de perpetuar essa milenar tradição enológica!


Saúde!


Obs: Exceto a última foto, todas as fotos foram gentilmente cedidas pela Herdade do Esporão e pela Qualimpor. Nossos agradecimentos!

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