Vinha Maria Teresa, Máxima Expressão do Terroir do Douro

Domingo, 17 de maio de 2015

Faz quase nove anos, tive a oportunidade de participar no Rio de Janeiro, junto com o Renato Pellegrini, co-autor deste blog, de uma degustação única dos belos vinhos da Quinta do Crasto, inclusive da primeira safra (2003) do então recém-lançado Xisto – Roquette & Cazes (e que se tornou, ao longo dos anos, um dos meus vinhos preferidos).


Nessa degustação, apresentada por Tomás Roquette, responsável pela elaboração dos vinhos da Quinta do Crasto, tivemos a oportunidade de degustar os grandes vinhos dessa vinícola, dentre eles o Vinha Maria Teresa 2003, tido como ícone da vinícola e produzido apenas em anos excepcionais. Aquele foi o primeiro Vinha Maria Teresa que degustei e que por anos ficou na minha memória.


Quase dez anos depois, e após provar outras safras do Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa, tive a oportunidade de degustar novamente a safra 2003, dessa feita já com quase 12 anos de vida, e em seu auge, com uma rara complexidade.


Tal experiência confirmou não apenas a excelência dos vinhos da Quinta do Crasto (o que se confirma, inclusive, pelos vinhos de entrada da vinícola, sempre muito bem feitos, seja em que faixa de preço estejam), mas, sobretudo, que o Vinha Maria Teresa é um dos grandes vinhos do Douro e de Portugal.

No entanto, o mais interessante é a história por trás desse excepcional vinho, na mais bela e perfeita sincronia entre tradição e respeito ao terroir e utilização de técnicas modernas.


A vinha Maria Teresa, batizada em homenagem à primeira neta de Constantino de Almeida (fundador da vinícola), é um dos mais antigos vinhedos da Quinta do Crasto, plantado em socalcos e com solo xistoso, e com mais de 90 anos de idade.


Os 4,7 hectares plantados do vinhedo possuem, misturadas entre si (conceito de Field Blend), dezenas de castas diferentes, inclusive brancas, das tradicionais do douro até algumas mais improváveis (Cabernet Sauvignon, Baga), havendo uma ainda não identificada até o momento.


E é aqui que entra a tecnologia a serviço da tradição, da própria ideia de preservação do terroir, e que, no Douro, ganha crucial importância como em poucos lugares no mundo.

A Quinta do Crasto, por meio do projeto denominado PatGen Vineyards, mapeou a quase totalidade das cepas que compõem esse privilegiado vinhedo. Com esse mapeamento, a vinícola repõe as videiras mortas por videiras com castas geneticamente idênticas  e mantidas em viveiros, mantendo a mesma composição “original” do vinhedo. Em outros termos, busca-se manter a mesma composição de cepas nos vinhedos, em iguais proporções e no mesmo ponto em que plantadas originariamente (“em time que está vencendo não se mexe”).


A técnica de manutenção dos Field Blends tem no Douro um dos seus precursores, e representa o máximo respeito ao terroir, mormente em uma região vinícola tradicional como o Douro, e que consta como a primeira zona vinícola demarcada do mundo (há alguma divergência se a primeira não seria Tokay, Tokaji ou Tokaj). Muitos outros produtores do Douro buscam manter os seus field blends, mapeando seus vinhedos. Basta citar o caso da famosa Quinta de Vargellas, da Taylor’s. Alguns produtores até mesmo, por conta desse mapeamento das vinhas, acabam por resgatar cepas autóctones  quase extintas, plantando novos vinhedos.

Entretanto, embora possa até mesmo parecer óbvia a busca pela manutenção dos field blends, há produtores de outras regiões vinícolas, mormente do Novo Mundo, que não comungam de tal entendimento como, por exemplo, a Shafer Vineyards, e seu célebre vinhedo Hillside, em Stags Leap District, em Napa, na Califórnia. Ali foram retirados, muitos anos atrás, as diversas cepas misturadas entre si, com Petite Sirah, Alicante Bouschet, dentre outras, e replantadas com Cabernet Sauvignon. Contudo, o resultado foi mais do que positivo (embora nunca tenha ouvido falar nada sobre o vinho eventualmente produzido com as uvas anteriores), demonstrando que tudo é uma questão de tempo, de tradição, de conhecer o resultado (o vinho) ao longo de décadas, o que o Novo Mundo ainda não é pródigo.


Em suma, em uma região em que se sabe bem o resultado positivo daquele terroir específico e da influência de determinado field blend, a técnica de mapeamento das cepas do vinhedos e seu replantio buscando sua eternização se apresenta como imprescindível para a manutenção não apenas da qualidade do vinho produzido, mas da própria identidade da região.


Por isso, o Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa assume contornos de um dos grandes vinhos do Douro e de Portugal, e não apenas por sua inquestionável qualidade, mas, sobretudo, pelo esforço do produtor em preservar a tradição, a história da região.


Saúde!

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