Descobertas do Douro: os Vinhos da Lacrau Collection

Domingo, 2 de agosto de 2020

Embora seja um país territorialmente pequeno, Portugal possui uma grande riqueza de castas autóctones que originam diversos estilos de vinhos, dos espumantes e frisantes, aos vinhos fortificados passando por vinhos tranquilos (“vinhos de mesa”, termo que não deve ser confundido com os vinhos “de mesa” brasileiros elaborados com uvas não viníferas) brancos, rosados e tintos.


A riqueza do vinho português reside não apenas na grande variedade de uvas nativas, mas também na grande variedade de microclimas e solos existentes em suas diversas regiões produtoras. 


A influência mais marcante é o oceano Atlântico (clima marítimo). Porém, em algumas regiões do interior o clima é continental, quente e seco. A altitude, em algumas regiões, pode ajudar a mitigar o efeito das altas temperaturas, assim como acidentes geográficos podem diminuir a influência marítima.

As safras desempenham, em Portugal, papel de média importância se comparadas com outros países, como a França, muito embora não devam ser desconsideradas (basta pensar nos anos declarados como Vintage Clássico para os vinhos do Porto).


Dentre as regiões portuguesas produtoras de vinhos o Douro, sem qualquer dúvida, possui sempre destaque. 


O Douro é considerada como a região demarcada mais antiga do mundo (1756). Situa-se a 80 km ao leste da cidade do Porto. Estende-se ao longo do percurso do rio Douro, limitada ao oeste pelas serras do Marão e do Montemuro, barreiras naturais que restringem a influência marítima dos ventos atlânticos e retêm as precipitações elevadas na entrada da região. A região termina ao leste na fronteira com a Espanha. 


A região do Douro é moldada por colinas, morros e montanhas ao longo do curso do rio, criando um anfiteatro natural protegido dos ventos e com calor. As condições climáticas variam dentro da região (variedade de microclimas – quanto mais ao leste, mais seco e quente). De um modo geral, no entanto, o clima é moderadamente continental.

Os vinhedos são plantados em encostas. Tradicionalmente em terraços estreitos (os “socalcos”) suportados por muros de pedra. Mais recentemente foram desenvolvidos os “patamares”, sem muros de pedra como sustentação e largos permitindo tratores. Um terceiro método, quando a inclinação não é tão alta, é o “vinha ao alto” (as videiras não são plantadas em terraços, mas sim de cima para baixo diretamente nas encostas, abrindo-se pequenos caminhos entre as fileiras, por onde máquinas podem operar com a ajuda de guinchos).


Há apenas duas DOPs (Denominações de Origem Protegida) no Douro (Porto e Douro) e a categoria “Vinho Regional Duriense” para vinhos que não se enquadram nas regras das DOPs. 


Em todas, os solos são em geral xistosos (os mais nobres), interrompidos manchas graníticas. Os solos graníticos são considerados inferiores em relação aos xistosos. A natural decomposição e a elevada decomposição dos solos xistosos permite uma boa penetração das raízes, aumentando a permeabilidade da água. Isso somado à acumulação do calor e o elevado índice de reflexão da radiação solar transforma o xisto em um dos principais motivos da alta qualidade dos vinhos do Douro.

Embora a fama e o prestígio da região decorram do tradicional vinho do Porto (vinhos fortificados - DOP Porto), o Douro produz outros estilos de vinhos: vinhos tranquilos brancos, rosados e tintos (DOP Douro ou regional duriense); espumantes e licorosos (DOP Douro).


Os produtores do Douro não se acomodaram em torno do prestígio do vinho do Porto, passando a produzir vinhos tranquilos, com o surgimento no final do século XX de uma nova onda dos vinhos do Douro (os produtores da aliança Douro Boys e a Família Symingtontivem um papel de liderança nessa nova onda iniciada décadas pela Casa Ferreirinha com o Barca Velha), centrada principalmente em vinhos tranquilos tintos. Hoje cada vez mais testemunhamos também o surgimento de vinhos tranquilos brancos de alta gama.


O grande destaque dos vinhos tranquilos do Douro são os elaborados a partir de “vinhas velhas”, vinhas antigas também chamadas de “vinhas misturadas” (field blend ou coplantation). Nesses vinhedos as vinhas com uvas diversas não estão plantadas de forma ordenada e separada por variedade, formando um mosaico único decorrente de sua mistura. São vinhas de baixo rendimento, gerando vinhos de grande complexidade (relembre aqui post sobre o célebre vinhedo Maria Teresa da Quinta do Crasto).


Nesse contexto, o que mais me impressiona no Douro é a quantidade de produtores produzindo grande vinhos, sempre havendo algo novo daquelas terras a se descobrir. 


Alguns produtores, como a Quinta do Crasto, Wine & Soul, Quinta Vale Meão, Quinta do Vallado, dentre outros, são conhecidos internacionalmente e celebrados pela alta qualidade de seus vinhos. No entanto, existem outros produtores, pouco conhecidos fora de Portugal, produzindo também vinhos de altíssima qualidade.

E para todo enófilo é sempre um prazer descobrir novos vinhos, fugindo do “conforto” dos rótulos conhecidos. Na verdade, a minha grande diversão é “descobrir” novos vinhos, novos favoritos.


Na última viagem a Portugal no início desse ano, em um bar de vinhos (The Little Wine Bar, do simpático André, podem anotar essa dica) em uma rua escondida do Chiado, quase chegando no Bairro Alto, em Lisboa, provei o branco Lacrau Vinhas Velhas Fermentado em Barricas 2017. Um vinho encorpado elaborado a partir de vinhas velhas misturadas (com predominância das uvas Códega do Larinho, Folgasão e Gouveio), com 14% de teor alcóolico, e extremamente elegante, que harmonizou bem com bolinhos de bacalhau e com polvo.


Fiquei curioso sobre o produtor daquele espetacular vinho branco e fui “investigar”. Descobri uma vinícola até então desconhecida para mim: a Secret Spot Wines, que produz um vinho tinto homônimo (sem revelar o vinhedo, que é “secreto”), os vinhos tintos, brancos e um rosé da linha Lacrau (uma espécie de escorpião encontrada em praticamente todo território português), The Crooked Vines Collection (tinto e branco da sub-região do Cima Corgo de vinhas com mais de 50 anos), Moscatel do Douro, Portos (atualmente um Vintage e um Tawny 20 Years Old) e brancos e tintos da vizinha região de Trás-Os-Montes.


Curioso e impressionado com o branco degustado, procurei os vinhos da Secret Spot Wines. Consegui encontrar o Lacrau Garrafeira Tintos 2013. Provados meses depois, já no Brasil, o Lacrau Garrafeira Tintos 2013 também impressionou muito, apresentando altíssima qualidade. Top de gama da linha Lacrau, como o nome indica, é elaborado com mais de 20 tipos de uvas autóctones portuguesas oriundas de vinhas velhas misturadas.


Agora é esperar acabar a pandemia e uma próxima viagem a Portugal para conhecer outros vinhos dessa vinícola.


Saúde!

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