CHÂTEAU D’YQUEM 1962 - DEGUSTANDO UM MITO

Domingo, 04 de março de 2012

A Appelation d’Origine Contrôlée (AOC) Sauternes compreende as vilas de Sauternes, Barsac - as duas mais importantes - Bommes, Preignac e Fargues, situando-se ao sul de Graves, em Bordeaux. Vale observar que os vinhos da comuna de Barsac podem ser indicados como da AOC Sauternes ou da AOC Barsac.

A AOC Sauternes se destaca e é famosa por seus vinhos brancos doces, cujas uvas são atacadas ainda na parreira por um fungo chamado Botrytis Cinerea (também conhecido como pourriture noble ou “podridão nobre”), que na região encontra clima propenso para sua proliferação. Esse fungo cobre a superfície das uvas, furando as suas cascas em busca de água, fazendo com que as uvas se desidratem, acarretando progressiva concentração de açúcar nas cepas. Embora esse processo altere a estrutura da uva, e traga um gosto único, muitas vezes associado a milho verde por alguns, não há diminuição da acidez do vinho. Seu sabor é único, fugindo do doce deselegante e enjoativo de alguns vinhos de sobremesa.

Infelizmente, o processo do “ataque” das uvas pela “podridão nobre” é extremamente difícil, não se desenvolvendo de forma homogênea nas diversas parreiras dos vinhedos, e apenas as uvas perfeitamente “apodrecidas” podem ser usadas, sob pena de comprometimento do vinho. 

Assim, a colheita se mostra um processo complexo, com observação constante   das parreiras a partir da época da colheita, em setembro, com separação detalhista dos bagos, e com os trabalhadores do château s indo de quatro a dez vezes no vinhedo para a colheita.

Como se não bastasse, a fermentação dos Sauternes é bem mais demorada que a usual em vinhos brancos, até um ano. E tudo isso, claro, tem um preço....

A Semmilon, esta em maior escala, a Sauvignon Blanc, e menos usualmente a Muscadelle são as cepas da AOC Sauternes, que além dos vinhos brancos doces, produz excelentes vinhos brancos secos. Em geral, os vinhos brancos secos são chamados pela primeira letra do nome do Château, como Y (Château d’Yquem), G (Château Guiraud).

Os vinhos brancos doces de Sauternes são os únicos vinhos acrescidos aos vinhos do Médoc na célebre Classificação de 1855. O único vinho de Sauternes classificado como Premier Cru Supériuer foi o Château d’Yquem (há ainda cerca de  onze Sauternes classificados como Premier Crus e quatorze como Deuxièmes Crus).

Degustar um Château d’Yquem, assim como os Premier Crus do Médoc (Lafite-Rothschild, Latour, Margaux, Haut-Brion e Mouton-Rothschild) é um dos grandes sonhos de todo amante dos vinhos (reparem que apenas o Château d’Yquem é classificado como Premier Cru Supérieur), e algo que ansiava fazia tempo.

E assim, no final de agosto de 2011, recebi um telefonema emocionado de um amigo: ele havia encontrado um tesouro! Sua avó o havia presenteado com alguns vinhos esquecidos na pequena adega de seu avô. Dentre esses vinhos, havia uma garrafa de Château d’Yquem 1962!

Nossas primeiras dúvidas foram sobre as condições de armazenamento da preciosa garrafa, já que o vinho estava desde o final da década de 1960 guardado em um apartamento no Rio de Janeiro. 

O líquido na garrafa não era mais aquele amarelo ouro, típico dos vinhos Sauternes em seus primeiros anos de vida, mas sim um marrom cor de melado.

Após algumas pesquisas, descobrimos fotos do Château d’Yquem 1962 degustado poucos anos antes e o líquido era da mesma cor de melado, sendo uma evolução normal em um vinho branco dessa idade.

Quanto ao estado do vinho, não havia outra saída senão abrir a garrafa e degustar o vinho.

E assim fizemos em uma quarta-feira, na casa de um dos confrades de nosso pequeno grupo de degustação. Quatro amigos, curiosos e sedentos em descobrir o que havia acontecido com a garrafa de Château d’Yquem 1962.

Abrimos a garrafa com um saca-rolha de três estágios e com o auxílio de um saca-rolha tipo pinça no final. Decantamos o vinhos, após passar o líquido em um funil com peneira. 

Embora cor de melado, quase café, havia um brilho diverso, algo que apenas os grandes vinhos possuem. Não havia qualquer sedimento no interior da garrafa. Era intenso no nariz, com notas de nozes e avelãs, apresentando ainda aromas de figos secos e damascos. Extremamente elegante, e ficou perfeito com uma torradinha com foies gras, confirmando a clássica harmonização dos livros.

Enquanto compartíamos esse momento único, pensávamos nos acontecimentos históricos de 1962. Um “eno-momento” inesquecível para qualquer enófilo e que me fez entender a aúrea mítica em torno do Château d’Yquem.

Sláinte!

Comentários (Respostas)