Alsácia – Nova Regulamentação da Escala de Doçura dos Vinhos

Quarta-feira, 3 de agosto de 2022

A Alsácia é uma região única, uma fusão das culturas francesa e alemã decorrente de fatores históricos, como as diversas mudanças em seu domínio. Uma região francesa em que a noção de terroir se destaca, porém convive com os nomes germânicos de diversos de seus vilarejos e vinhedos (e.g. Altenberg de Bergheim). Na Alsácia, onde 90% da produção é de vinhos brancos, os nomes das uvas em geral estão nos rótulos, as garrafas (flutes) são longas e estreitas, e até alguns anos atrás era a única região francesa autorizada a cultivar a Riesling. 


Embora a Alsácia seja uma das regiões vinícolas mais ao norte da França, não sofre com o frio e com geadas como ocorre na região de Champagne (região um pouco mais setentrional que a Alsace), contando com um clima continental. 


Tal razão se deve ao fato de a Alsácia possuir a proteção natural da cadeia de montanhas Vosges. Essa barreira natural a oeste da Alsácia protege a região dos ventos úmidos e das nuvens carregadas de chuva que vêm do Atlântico. Por conta do efeito protetivo dos Vosges a Alsácia é quente e ensolarada no verão. Isso acarreta o amadurecimento mais lento das uvas, com mais complexidade aromática.


Como anotamos em um dos posts que escrevemos em 2019 sobre a Alsácia (relembre aqui e aqui), um dos temas atuais na Alsácia é a questão do grau de açúcar residual nos vinhos brancos.

Tradicionalmente, os vinhos brancos alsacianos, marcados pelo seu caráter aromático, sempre foram vinificados como vinhos secos.


Há, por outro lado, vinhos brancos alsacianos doces, de sobremesa (de colheita tardia), mais especificamente as categorias Vendanges Tardives (podem ou não ser afetados pelo fungo Botrytis Cinerea, a chamada “podridão nobre”) e Sélections de Grains Nobles (obrigatoriamente precisam ser afetados pela Botrytis Cinerea), que podem se situar nas AOPs comum ou nas Grand Cru.


No entanto, em virtude das mudanças climáticas nos últimos anos, mais e mais vinhos da Alsácia passaram a apresentar maiores graus de açúcar residual, deixando de ser propriamente secos. Isso ocorre por conta do aumento das temperaturas médias, que somada à proteção natural dos Vosges, acarreta uvas colhidas com maior teor alcóolico, e muitas vezes a fermentação termina antes mesmo de todo o açúcar se converter em álcool.

Assim, vinhos anteriormente elaborados para serem secos, passaram a ter um maior dulçor, passando a ser meio secos. Ou seja, houve uma considerável mudança no estilo dos vinhos alsacianos.


Na safra de 2008 chegou a ocorrer uma pequena mudança regulamentar buscando preservar o estilo seco dos vinhos elaborados com a Riesling, criando-se, em apertada síntese, um nível máximo de 0,9% de açúcar residual (9 g/l), havendo ainda alguns desdobramentos técnicos na regra. Essa regulamentação era válida apenas para vinhos elaborados com a Riesling da AOP Alsace, não se aplicando a vinhos desta AOP com indicação de lieu-dit ou com villages, nem às AOPs Grand Cru. Mesmo assim não havia indicação na rotulagem, que era opcional.  

A grande dificuldade para o apreciador de vinhos reside no fato de inexistir uma regulamentação para a rotulagem dos vinhos brancos “secos” alsacianos – ou melhor, vinhos que não integrem as categorias Vendanges Tardives e Sélections de Grains Nobles.


Assim, muitas vezes estamos diante de um vinho branco alsaciano sem saber se é realmente seco ou meio seco (demi-sec).


Como anotamos antes, alguns produtores, como o Domaines Schlumberger ou o Dopf au Mouloin, colocam indicações nos contrarrótulos das escalas de doçura de seus vinhos (inclusive os Grand Crus), não abrangendo os Vendanges Tardives e Sélections de Grains Nobles. Tais escalas, justamente por não estarem regulamentadas, variam de produtor para produtor.


No entanto, recentemente foi dado um primeiro passo para regulamentar os graus de doçura dos vinhos brancos vinificados como secos. Essa nova regulamentação se aplicará a partir da safra de 2021 e apenas aos vinhos da AOP Alsace, não se estendendo, por ora, aos vinhos das AOPs Grand Cru (lembrando que na Alsácia, cada Grand Cru é uma AOP autônoma).

A nova escala visualmente é bem similar as que alguns produtores já utilizavam, porém, definindo os parâmetros de doçura:


- Seco (sec): açúcar residual até 4 g/l;


- Meio Seco (demi-sec): açúcar residual entre 4 g/l e 12 g/l;


- Meio doce (moelleux): açúcar residual entre 12 g/l de 45 g/l;


- Doce (doux): açúcar residual acima de 45 g/l.


Além de constar na rotulagem, as novas informações obrigatórias sobre o grau de doçura (i.e. açúcar residual) dos vinhos deverá constar em material de propaganda, embalagens etc. A intenção é facilitar a informação para o consumidor de vinhos, que saberá exatamente o tipo de vinho que está adquirindo.


Ao mesmo tempo, servirá, em especial, para resgatar a imagem geral dos vinhos alsacianos elaborados com a Riesling (meus preferidos na Alsácia), por muitos tidos como doces, embora a maioria seja de vinhos secos.

Esperamos que futuramente essa regulamentação se estenda aos vinhos das AOPs Grand Cru alsacianas.


Santé!

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