A Dupla Poda e o Nascimento de novos Terroirs no Brasil

Domingo, 6 de agosto de 2017

Nas últimas semanas, selecionando rótulos para a degustação que então organizava, experimentei diversos vinhos elaborados no sul de Minas Gerais – das vinícolas Casa Geraldo, Luiz Porto, Maria Maria e Villa Mosconi). Confesso ter ficado gratamente surpreso com a sua alta qualidade . 


Apenas para ilustrar, o Maria Maria Syrah 2015 e o Luiz Porto Brut Colheita de Inverno ficaram, respectivamente, em primeiro lugar nas categorias Vinho Tinto e Espumante do Top 10 da Vini Bra Expo 2017, evento de vinhos ocorrido no último fim de semana no Rio de Janeiro.


Um dos pontos em comum entre a esmagadora maioria dos vinhos mineiros degustados é o fato de serem elaborados  por meio da técnica conhecida como "dupla poda" em que altera-se o ciclo natural das videiras, técnica também utilizada pela premiada vinícola paulista Guaspari.


Mas afinal, o que vem a ser a técnica da “dupla poda”? Como ela afeta a qualidade do vinho?

O vinho é um produto da interação do homem com a natureza. Se deixarmos a videira livre para crescer, ela não utilizará seus recursos para amadurecer as uvas para elaboração de vinhos, ela simplesmente crescerá. Por conta disso, esse vigor da videira precisa ser controlado pelo viticultor. Para tanto, o produtor conta com algumas técnicas como embardamento (estrutura de postes e arames utilizadas nos vinhedos), poda e limitação da densidade de plantação das vinhas. Depois, por meio de outras técnicas, terá que controlar a qualidade e a maturação em potencial das uvas.


A poda, segundo  Karen MacNeil (autora do livro The Wine Bible) é “o processo exaustivo de cortar as videiras enquanto adormecidas durante o inverno (...) O que o podador deixa ficar torna-se a base da colheita do ano seguinte. Se ele podar com muito rigor, pode comprometer a capacidade frutífera e a força das parreiras. Ao contrário, se podar muito pouco, as videiras produzirão tantos galhos, folhas e frutos que ficarão desequilibrados”. Assim, a poda tem por objetivo a retirada de folhas, bem como de varas e madeiras velhas que não têm mais utilidade.

Há dois tipos de poda, a chamada “poda de inverno” e a “poda de verão”.


O escopo da primeira é determinar o número e a localização dos gomos, que, por sua vez, irão originar os ramos tenros (hastes da videira, pampres em inglês e em francês) que produzirão as uvas na colheita seguinte.


Já as chamadas podas de verão, também denominadas de “podas verdes”, objetivam restringir o crescimento vegetativo de forma a direcionar a produção de açúcar pela videira para as uvas e não para as folhas ou hastes. Buscam podem se prestar também a remover os cachos em excesso como forma de limitar a produção. As podas verdes podem se limitar apenas à retirada de folhas de forma a proporcionar maior exposição solar aos cachos da videira.

A chamada “dupla poda”, na verdade, se refere à “poda de inverno” e foi criada há mais de dez anos pelo pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) Murillo de Albuquerque Regina.


Trata-se de técnica que inverte o ciclo natural da videira por meio de um manejo diferenciado das podas. Com isso, a videira passa a frutificar no inverno, evitando-se as altas temperaturas do verão (dia e noite), bem como as chuvas e alta umidade típicas dessa estação.


São feitas duas podas (“podas de inverno"), uma por volta de agosto e uma em dezembro/janeiro.


No inverno, em certas regiões, em especial no sul de Minas Gerais e em alguns pontos do Estado de São Paulo, há frio à noite, e insolação durante o dia, com baixa precipitação e com boa amplitude térmica, condições favoráveis à vinha. 

Na “dupla poda”, a primeira poda tem por objetivo a formação de ramos produtivos, e a segunda é a poda efetiva de frutificação. A videira, então, começa a brotar em fevereiro, floresce em março e os cachos começam a se formar em abril, ocorrendo a colheita a partir do final de junho e ao longo de julho (a depender do tipo de uva).

Observe-se que a chamada “colheita de inverno” não ocorre nos mesmos meses das colheitas das regiões do Hemisfério Norte (estas começam no final de agosto e se estendem até início de outubro, dependendo da variedade de uva).


Essa técnica, no entanto, não é recomendada para regiões no sul do país, com invernos rigorosos.


Nem tampouco é útil em regiões extremamente quentes, como o Vale do Rio São Francisco, em que mesmo no inverno não ocorre a amplitude térmica.


As “colheitas de inverno” apontam para um novo rumo da viticultura brasileira, permitindo que novos terroirs brasileiros possam surgir, aumentando a gama de excelentes vinhos nacionais.


Saúde!

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