Segunda-feira, 10 de março de 2025.
Um dos três maiores produtores de vinhos do mundo que conta com a maior área com vinha plantada do planeta, a Espanha produz vários estilos de vinhos, com as uvas mais diversas, apresentando com inúmeros terroirs e climas distintos.
Possui uma classificação alinhada aos standards da União Europeia, com três grandes categorias: vinhos com denominação de origem protegida (DOP); vinhos com indicação geográfica protegida (IGP - com regras “menos rigorosas” que as das DOPs) e vinhos sem indicação geográfica, mantendo o uso de nomenclaturas tradicionais, que correspondem ou se encaixam nas categorias da União Europeia.
Na categoria dos vinhos DOP (denominação de origem protegida) espanhóis, há quatro subcategorias: (1) Denominación de Origen Calificada (DOCa), a mais alta, e existindo apenas duas aqui, Rioja e Priorato; (2) Denominación de Origen (DO), a principal; (3) Vino de Calidad con Indicación Geográfica (VC), espécie de categoria intermediária entre os Vinos de la Tierra (VT), que são os vinhos com indicação geográfica protegida e as DOs; e por fim os (4) Vino de Pago (VPs), subcategoria paralela à pirâmide qualitativa da categoria DOP, e baseada em determinadas propriedades que possuem solos ou microclimas únicos.
Como escrevemos em artigo anterior, os Vinos de Pago são uma DO por si só, devendo ser representativos da área em que estão, produzidos e engarrafados na própria propriedade, que estabelece suas próprias regras, como uvas autorizadas, viticultura, vinificação e amadurecimento dos vinhos.
Recentemente, em viagem à Espanha, degustei diversos Vinos de Pago e tive o grande privilégio de visitar uma das principais vinícolas inseridas nessa categoria, a Abadia Retuerta.
Situada em Sardón del Duero, na região de Castilla y León, e próxima às fronteiras da DOC Ribeira del Duero, a vinícola Abadia Retuerta empresta seu nome do monastério Nuestra Señora Santa María de Retuerta, fundada em 1146, na província da Vallodolid, na esteira do declínio das forças mouras invasoras. O nome “retuerta” deve-se ao fato de, justamente ali, o rio Duero fazer uma grande curva em seu curso.
Como ocorriam com diversos monastérios da região, o cultivo da vinha era uma das principais atividades, possuindo o vinho importância para uso nas missas e como alimento.
No século XIX começa um declínio da produção vitivinícola na propriedade, seja por fatores externos como a chegada da filoxera, seja por mudanças nas prioridades agrícolas da época.
Já no século XX, com a ditadura de Franco, há um declino generalizado na Espanha na produção de vinhos, priorizando-se a plantação de outros produtos agrícolas, como cerais. Na década de 1960, com o monastério já desativado, passa-se a focar no plantio de sementes e cereais diversos, culminando, no início da década de 1980, com o arranque de todas as vinhas da propriedade.
Em 1988, o grupo suíço Sandoz adquire a propriedade e, atenta ao potencial do local e à sua história, decide replantar os vinhedos, resgatando a vocação vinícola da Abadia Retuerta.
Em 1994, o enólogo Pascal Delbeck (Châteaux Ausone e Belair) é contratado e projeta a adega. Logo em seguida, em 1996, Ángel Anocíbar passa a trabalhar na Abadia Retuerta, sendo já faz muitos anos o enólogo e o “Diretor de Viñedo” da vinícola.
Atualmente, a Abadia Retuerta conta com 700 hectares de terreno, dos quais 180 são de vinhedos. Os vinhedos estão divididos em 54 parcelas (“pagos “) plantadas em solos e exposições variados, em altitudes que vieram de 720 a 850 metros do nível do mar. Prevalece a Tempranillo, mas há outras uvas plantadas, como destaque para a Petit Verdot, a Cabernet Sauvignon e a Syrah.
Em uma manhã ensolarada de junho, visitei a Abadia Retuerta. Fomos recepcionadas pelo Miguel Garcia (WSET 3) para uma visita à vinícola. Iniciamos a visita com um passeio de jipe 4x4, parando primeiro no histórico monastério de Nuestra Señora Santa María de Retuerta, onde hoje funcionam o hotel e os restaurantes da vinícola.
Na sequência, passamos pelos vinhedos, com paradas estratégicas. Miguel contou-nos a história da Abadia Retuerta, e brindou-nos com explicações de alto nível técnico sobre o terroir e a elaboração dos vinhos.
Finalizamos com uma incrível degustação dos rótulos da Abadia Retuerta, com os seguintes vinhos:
• Abadia Retuerta Le Domaine Blanco de Guarda 2022: único vinho branco da vinícola, um elegante corte de Sauvignon Blanc (que prevalece) e Verdejo, apresentando notas de flores brancas, gengibre e frutas cítricas.
Abadia Retuerta Selección Especial 2020: o Selección Especial é o vinho tinto “de entrada” da vinícola e o primeiro a ser elaborado, um assemblage de Tempranillo, Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot, Graciano e Petit Verdot, com grande concentração de frutas pretas e final persistente. O blend muda ano a ano, buscando-se selecionar as melhores barricas para o “cartão de visitas” da Abadia Retuerta.
• Abadia Retuerta Cuvée Palomar 2020: corte de Tempranillo, Garnacha, Graciano e Malbec. Apresenta aromas de frutas vermelhas (framboesa e morango) e notas de alcaçuz, taninos e acidez bem integrados.
• Abadia Retuerta Pago Negralada Tempranillo Single Vineyard 2018: um 100% Tempranillo, de vinhedo único (Pago Negralada), apresentando um mix de frutas vermelhas e pretas, com toques de cravo e chá preto. Taninos aveluadados com sabor marcante, um dos preferidos na degustação.
• Abadia Retuerta Pago Garduaña Syrah Single Vineyard 2019: um autêntico “textbook” Syrah, que muito me lembrou os vinhos do Norte do Rhône, com ótima estrutura, notas de frutas negras, alcaçuz e pimenta preta.
• Abadia Retuerta Pago Valdebellón Cabernet Sauvignon Single Vineyard 2019: uma gratíssima surpresa, um “Cab” clássico, aliando potência à elegância. Frutas negras e deliciosas notas balsâmicas em um conjunto harmonioso.
• Abadia Retuerta PV 2001: confesso que sempre tive reservas quanto aos vinhos monovarietais elaborados com a Petit Verdot, sempre vendo essa uva como um componente de assemblage. Porém, o mundo do vinho sempre nos surpreende! O Petit Verdot da Abadia Retuerta, seu vinho mais raro e difícil de conseguir comprar (esgota rapidamente quando lançado) é simplesmente espetacular! Elaborado a partir de vinhas plantadas em solos quentes predominantemente arenosos, com subsolo argiloso, aromas de frutas negras ainda presentes (seguindo-se no paladar) tabaco, café e cacau, com uma acidez média (+), taninos altos, álcool médio, encorpado, e final longo. No auge aos 23 anos de idade, mas arriscaria dizer com mais uns 10 anos de vida pela frente. Foi perfeito como grand finale!
Uma experiência incrível e altamente recomendável!
¡Salud!