Quinta-feira, 04 de setembro de 2025
Entender a classificação dos vinhos alemães sempre foi uma tarefa assombrosa, não apenas pelo idioma, mas sobretudo por não se basear na noção clássica de terroir, ficando a origem relegada a um segundo plano.
A tradicional classificação dos vinhos alemães de 1971 baseava-se no grau de maturação das uvas no momento da sua colheita (e não após a vinificação), criando quatro categorias: Tafelwein (vinhos de mesa, de qualidade básica); Landwein (vinhos regionais, com requisitos um pouco mais elevados), Qualitätswein bestimmter Anbaugebiete - QbA (vinhos de qualidade de regiões específicas, com controle de origem) e os famosos Prädikatswein (vinhos de qualidade superior, subdivididos em níveis de maturação como Kabinett, Spätlese, Auslese, Beerenauslese, Trockenbeerenauslese e Eiswein).
A razão para esse intricado sistema devia-se justamente às condições adversas da viticultura alemã, em que havia, por conta do clima, dificuldades no correto amadurecimento das uvas nos vinhedos. Essa realidade mudou nas últimas décadas por conta do aquecimento global.
Crédito: Deutsches Weininstitut GmbH
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Havia, obviamente, lacunas nesse sistema oficial de 1971, pois a noção de terroir era relegada a um segundo plano, não se levando em conta na classificação oficial subregiões, vilarejos e vinhedos específicos.
No vácuo legal, uma associação privada de produtores de elite criou o sistema VDP (Verband Deutscher Prädikatsweingüter) focado no terroir (leia aqui), estabelecendo uma pirâmide qualitativa baseada na origem com flagrante inspiração na Borgonha. Essa classificação, que se tornou popular e ainda vigora, não era oficial, limitando-se a um seleto grupo de produtores.
Crédito: Deutsches Weininstitut GmbH
A nova lei do vinho alemão entrou em vigor em 27 de janeiro de 2021, com implementação gradual e obrigatória até 2026, e trouxe uma mudança importante: a qualidade do vinho não é mais definida pelo grau de amadurecimento das uvas no momento da colheita, mas principalmente pela origem geográfica (terroir).
Com forte inspiração na classificação borgonhesa, quanto mais restrita for a área de produção, maior a promessa de qualidade.
Crédito: Deutsches Weininstitut GmbH
O novo modelo seguiu os standards da União Europeia e suas três categorias:
• Deutscher Wein: vinho sem indicação geográfica (nível mais baixo) com uvas da Alemanha;
• Landwein (geschützte geografische Angabe, g.g.A -vinhos com indicação geográfica protegida, IGP): vinhos simples ou de alta qualidade fora dos critérios de Qualitätswein;
• Qualitätswein (geschützte Ursprungsbezeichnung, g.U – vinhos com Denominação de Origem Protegida, DOP): nível mais alto, dividido em dois tipos: sem Prädikat (secos) e com Prädikat (sempre doces).
Crédito: Deutsches Weininstitut GmbH
Dentro de Qualitätswein (vinhos secos ou doces) há quatro níveis hierárquicos, de acordo com a origem, formando uma pirâmide:
1. Anbaugebiet – área de cultivo (13 regiões principais e que são diferentes das 26 Landwein, áreas IGPs) – e.g. Mosel, Pfalz, Franken, Baden, Hessische Bergstraße, Mittelrhein, Nahe, Rheingau, Rheinhessen, Württemberg etc;
2. Region ou Bereich – distrito subárea de uma região (Anbaugebiet), substituindo as antigas Grosslagen. e.g. Bernkastel (Mosel), Johannisberg (Rheingau).
3. Ortswein – vinhos de um vilarejo específico, e.g. Perl, Nittel etc...
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4. Lagenwein – vinhos de vinhedos únicos, com subcategorias (todos os vinhedos passam a ser classificados):
• Große (Grosse) Lage (Grosses Gëwachs), o equivalente a Grand Cru, a mais alta categoria;
• Erste Lage (Erstes Gewächs), o equivalente a Premier Cru;
• Einzellage, vinhedo único que não está classificado dentre as categorias anteriores.
Crédito: Deutsches Weininstitut GmbH
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Nos Lagenwein devem constar do rótulo o nome do vinhedo precedido do nome do vilarejo. Para ilustrar, podemos mencionar alguns vinhedos lendários: Bremmer Calmont no Mosel (Bremm é o vilarejo; Calmont o nome do vinhedo).
Devemos ainda atentar ao termo Gewann, que é o equivalente alemão do lieu-dit francês. Em outros termos, um Gewann é uma parcela específica dentro de um vinhedo único e para assim ser reconhecido e constar no rótulo precisar estar listado no registro de vinhedos do vilarejo a que pertencer.
Crédito: Deutsches Weininstitut GmbH
Um ponto de destaque é que o termo Gutswein usado pelo VDP (Verband Deutscher Prädikatsweingüter) não é previsto na nova legislação.
O sistema tradicional Prädikate (Kabinett, Spätlese, Auslese, Beerenauslese, Trockenbeerenauslese e Eiswein), baseado no açúcar da uva na colheita, foi mantido, mas sofreu singelas alterações, vejamos.
Não há mais uma superioridade entre os vinhos Prädikate sobre os Qualitätswein. Prädikate é uma subcategoria reservada para vinhos doces, determinando não apenas pelo grau de açúcar na colheita, mas também pelo grau de doçura do vinho pronto. Assim, não existem mais versões trocken (secas) de Kabinett, Spätlese ou Auslese, como até então ocorria.
Portanto, os Qualitätswein podem ser com Prädikate (doces e se inserindo em uma das subdivisões clássicas conforme suas características - Kabinett, Spätlese, Auslese, Beerenauslese, Trockenbeerenauslese e Eiswein) ou sem Prädikate (trocken/secos ou halbtrocken ou feinherb/meio-seco).
Um ponto interessante é que nos Qualitätswein sem Prädikate pode-se usar, dentro de limites previstos em lei, chaptalização (adição de açúcar no mosto antes ou durante a fermentação alcoólica) com o objetivo de aumentar o nível de álcool. Porém, tal prática é vedada nos vinhos com Prädikate.
Crédito: Deutsches Weininstitut GmbH
Na verdade, a nova formatação dos vinhos com Prädikate se assimila um pouco com as classificações alsacianas de vinhos doces Vendanges Tardives e Sélections de Grains Nobles que se espraiem pelas AOPs alsacianas (leia mais aqui).
Infelizmente, por mais alguns anos vinhos elaborados até 2025 ainda poderão ostentar e usar das classificações anteriores. Porém, sem dúvida, a nova classificação dos vinhos alemães é mais condizente com a realidade atual e mostra a riqueza, a complexidade e a variedade do vinho alemão.
Prost e Zum Wohl!